Sínodo. “Ministros ordenados que pensam de modo novo o seu modo de ser e de estar”

O padre Sérgio Leal alerta para o perigo de uma Igreja clerical e sublinha que o ministério ordenado “no contexto de uma igreja sinodal tem de ser repensado”.

Por Rui Saraiva

Foi apresentado neste mês de setembro o Documento Preparatório e o Vademecum par o Sínodo dos bispos de 2023 sobre o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Um processo sinodal que terá começará pelas dioceses de todo o mundo que estão a organizar-se para corresponderem a este grande desafio. O início oficial será em Roma com o Papa Francisco nos dias 9 e 10 de outubro. A partir de dia 17 de outubro arranca o processo sinodal em cada uma das Igrejas particulares.

Neste tempo de preparação continua connosco o padre Sérgio Leal, sacerdote da diocese do Porto que está a concluir doutoramento na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, e que defendeu em 2018 uma tese de licenciatura sobre a sinodalidade como estilo pastoral. E que muito em breve com a Paulinas Editora vai publicar um livro sobre a sinodalidade no magistério do Papa Francisco.

Repensar o modo de ser pastor

O sacerdote assinala que a sinodalidade não é apenas um método ou um conjunto de estruturas, “mas um estilo, um modo de ser Igreja”. Uma Igreja que se “reconheça humildemente a caminho” e que não seja autossuficiente, autorreferencial e, muitas vezes, clerico-centrica:

“Ainda hoje encontramos e não podemos ter medo de o dizer uma igreja muitas vezes clerico-centrica onde os fiéis leigos podem já não ser os destinatários passivos da ação dos presbíteros e ministros ordenados, mas muitas vezes são aqueles que executam aquilo que vão sendo as ideias daqueles que presidem às comunidades. Há ainda este clerico-centrismo que deve ser mudado e tem de ser a partir daqui. Isto é, a partir de bispos, presbíteros e ministros ordenados que pensam de modo novo o seu modo de ser e de estar. E creio que é aqui um dos aspetos em que a sinodalidade necessita de ser aprofundada. Porque a sinodalidade acontece no contexto de uma igreja hierarquicamente organizada, de uma igreja que não relativiza o ministério ordenado, que precisa dele como ministério de presidência. Não podemos esquecer que os ministros ordenados recebem o sacramento da ordem, configuram a sua vida com Cristo, cabeça da Igreja e têm o múnus de governar, de ensinar, de santificar. Recebem uma autoridade própria. Portanto, há aqui um ministério que não é relativizado pela sinodalidade, mas que no contexto de uma igreja sinodal tem de ser repensado: o modo de ser pastor numa igreja sinodal como garante de comunhão, de unidade, aquilo que se chama um ministério de harmonização e de síntese que é capaz de respeitar e promover os dons, carismas e missões de cada um, sempre nesta perspetiva de uma igual dignidade de todos os batizados” – disse o padre Sérgio Leal.

Na proximidade sentir e acompanhar

No contexto de uma igreja sinodal, em caminho conjunto, o modo de ser pastor deve ser marcado pela proximidade e acompanhamento.

“Há aqui um modo de ser pastor, como aquele que vai à frente apontando o caminho, que vai no meio para sentir o povo de Deus e para entrar neste diálogo e escuta recíproca, mas que também vai atrás e que é capaz de acompanhar os últimos” – afirmou.

Caminhar com todos

O padre Sérgio Leal recorda a necessidade de que num processo sinodal sejam incluídos não só os organismos já constituídos, mas também outras realidades. Para que o caminho se faça com todos e não apenas com os que estão mais próximos.

“Porque também podemos mais facilmente escutar os que nos são mais próximos. Facilmente escutamos aquilo que são as nossas estruturas. Quais são os membros de um Conselho Paroquial de Pastoral? Qual foi o critério de escolha para lá estarem? Recordo-me de um professor que nas aulas dizia que ‘quando me lembro dos estatutos de Conselho Paroquial de Pastoral temos a representação de todos os organismos paroquiais, de grupos, associações e movimentos que estão na paróquia, mas temos alguém que representa aquela classe operária que vem à missa dominical e que não tem nenhum cargo eclesiástico ali na paróquia?’. Ou seja, temos representação dos grupos de ação sócio caritativa, mas temos alguém que esteja ali na sua condição de mais frágil?”

Pluralidade e comunhão

Um processo sinodal é espaço para ouvir as diferentes vozes e opiniões. Dar lugar à pluralidade num caminho de comunhão procurando “um consenso com o contributo de todos”.

“Num processo sinodal as diferentes vozes estão necessariamente presentes. O consenso e a comunhão aparecem no final de um percurso. O Papa Francisco diz que ‘cada um deve falar com liberdade e escutar com humildade’, ele até utiliza o termo parrésia para falar de uma liberdade desafogada. E neste sentido há lugar para a pluralidade e a sinodalidade só pode acontecer num caminho assim. Contudo, isto deve desembocar num caminho de unidade. Caminhamos em conjunto na diversidade de opiniões, na diversidade de cada um ir dando o seu contributo e esse consenso e comunhão que o caminho sinodal gera, que não é uma maioria, isto distingue-o do parlamento porque se trata de uma Igreja comunhão que não gera uma maioria, mas um consenso e comunhão com o contributo de todos” – explicou.

O padre Sérgio Leal continuará connosco nas próximas semanas ajudando a refletir sobre o tema da sinodalidade que está a marcar a vida da Igreja.