
O Papa Francisco afirmou recentemente que “a sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão”. Nas próximas semanas vamos refletir aqui sobre o Sínodo que marcará a vida da Igreja nos próximos dois anos. Neste trabalho seremos acompanhados pelo padre Sérgio Leal que vai publicar em breve um livro sobre a sinodalidade no Magistério do Papa Francisco.
Por Rui Saraiva
“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos que terá lugar em outubro de 2023. Mas, o mais importante é o caminho a percorrer até essa data. Assim, na terça-feira 7 de setembro, foi apresentado o Documento Preparatório que terá agora utilização concreta na fase diocesana do Sínodo. Um processo sinodal que tem início oficial em Roma nos dias 9 e 10 de outubro e no dia 17 do mesmo mês a ativação em cada uma das Igrejas particulares.
Expressa a missão da Igreja
Para que não restem dúvidas, o Papa Francisco falando numa audiência aos diocesanos de Roma, na Sala Paulo VI, no sábado 18 de setembro, afirmou que a sinodalidade expressa a missão da Igreja:
“O tema da sinodalidade não é o capítulo de um tratado de eclesiologia, muito menos uma moda, um slogan ou o novo termo a ser usado ou instrumentalizado em nossos encontros. Não! A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão. E por isso falamos de Igreja sinodal, evitando, no entanto, considerar que seja um título entre outros, um modo de pensá-la que prevê alternativas. Não digo isto com base numa opinião teológica, nem mesmo como pensamento pessoal, mas seguindo o que podemos considerar o primeiro e mais importante “manual” de eclesiologia, que é o livro dos Atos dos Apóstolos” – afirmou o Santo Padre.
A Secretaria Geral do Sínodo no seu Documento Preparatório salienta a necessidade de “viver um processo eclesial participativo e inclusivo” que ofereça a cada um a oportunidade de se expressar e ser ouvido.
Caminho conjunto
Para aprofundarmos o conceito fomos à procura de respostas. O padre Sérgio Leal, membro da equipa formadora do Seminário e pároco in solidum da Sé do Porto, está a concluir doutoramento e defendeu em 2018 uma tese de licenciatura na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Publicará em breve com a chancela da Paulinas Editora um livro sobre a sinodalidade no magistério do Papa Francisco. Nas próximas semanas vai-nos acompanhar com as suas reflexões neste momento tão especial da Igreja. Em entrevista começa por lembrar a origem da palavra: caminho conjunto.
“Em primeiro lugar, a melhor forma de descrever a sinodalidade é indo à etimologia. O Papa Francisco faz isto sempre que fala de sinodalidade. Diz ele: ‘Sinodalidade, tudo aquilo que a caracteriza está contido na palavra synodos, caminho conjunto’. Caminho de toda a Igreja: pastores, fiéis, consagrados, religiosos, religiosas, todos os batizados. E, portanto, podemos dizer que sinodalidade é, em primeiro lugar, um caminho conjunto. É verdade que hoje muitas vezes falamos de sinodalidade ligando a estruturas de corresponsabilidade e de comunhão, eu diria que mais do que estruturas ou um somatório de estruturas a sinodalidade é um estilo, um modo de ser Igreja” – afirmou.
Escuta recíproca, escuta alargada
O sacerdote português recorda, em particular, as palavras do Papa Francisco no seu discurso assinalando os 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos. Foi a 17 de outubro de 2015. O Santo Padre afirmou que “Igreja e Sínodo são sinónimos” porque a “Igreja não é outra coisa que não seja caminhar juntos”.
“Este texto dos 50 anos do Sínodo dos Bispos …e deixo já esta nota: quem quiser perceber o que é a sinodalidade no magistério do Papa é imprescindível a leitura deste texto. O Papa aqui apresenta uma síntese articulada e concisa e consistente daquilo que entende ser a sinodalidade. De facto, dizer Igreja significa dizer sinodalidade, caminho conjunto. O São Cipriano dizia e depois o Concílio Vaticano II colocou no número 4 da Lumen Gentium que ‘a Igreja é o Povo de Deus que caminha na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo’. Ou seja, esta consciência de uma Igreja como povo que caminha em conjunto é essencial para entendermos a missão da Igreja. Se a identidade da Igreja é ser comunhão, unidade, caminho conjunto, então o seu agir deve ser moldado a partir daqui. O Papa diz em primeiro lugar que caminhar juntos implica uma escuta recíproca. Isto é, não uma visão unidirecional de serem os fiéis leigos os destinatários da ação eclesial, mas de percebermos que o protagonista da ação da Igreja é todo o povo de Deus. Na diversidade de ministérios, de carismas, de funções, de serviços. E se há diversidade de ministérios e de serviços é porque numa Igreja comunhão não fazemos todos o mesmo, mas na reciprocidade dos diferentes dons cada um vai realizando aquele que é o projeto de Deus para ele. Portanto, escuta recíproca: pastores que escutam os fiéis, fiéis que escutam os pastores. E de uma Igreja que conjuntamente escuta a voz de Deus. Escutando a voz até dos não-crentes. O Papa diz isto. Uma escuta alargada que escuta o grito do mundo para aí escutar a voz de Deus e que escuta a voz de Deus para aí escutar os desafios da história. Depois o Papa diz uma coisa muito interessante neste discurso: uma Igreja que aparece como sinal de comunhão e de unidade no tempo de dispersão. Num tempo como o nosso pós-moderno, a Igreja apresentar um caminho que respeita a diversidade, que promove essa diversidade, mas que ao mesmo tempo promove uma unidade nesse caminho este é também um sinal para os tempos que vivemos” – disse o padre Sérgio Leal.
A marca da humildade
O padre Sérgio Leal destaca que uma Igreja sinodal é também uma Igreja da humildade.
“A igreja sinodal é uma Igreja que se reconhece como instrumento nas mãos de Deus. Como lugar da ação de Deus. E se nos entendemos lugar da ação daquele que é maior do que nós, então reconhecemos a nossa condição humilde que em nada nos enfraquece, pelo contrário nos engrandece. E neste sentido a Igreja sinodal é uma Igreja também da humildade. A escuta pressupõe a humildade de me perceber a caminho com outros. Uma Igreja da escuta, uma Igreja sinodal não me coloca acima do outro, mas a caminho com ele. E é este novo modo de ser e de estar como diz o documento da Comissão Teológica internacional, este “modus vivendi et operandi” que caracteriza a sinodalidade e por isso faz dela, não apenas um método, não um conjunto de estruturas, mas um estilo, um modo de ser Igreja, uma dinâmica que nos conduz à conversão pastoral, que caracteriza o nosso modo de ser e por isso deve estar presente no modo de agir da Igreja. E, por isso, uma Igreja que não se reconheça humildemente a caminho, que não tenha esta atitude de humildade, de uma escuta que pressupõe silêncio… Nós estamos habituados a uma Igreja que tem sempre a última palavra sobre tudo, que tem sempre uma palavra para tudo. E diante dos dramas da história, muitas vezes, também a atitude de silêncio, de escuta, de quem está a caminho, de quem não é autossuficiente e autorreferencial, porque a Igreja nasce de Deus e para Ele caminha, isto traz uma nova marca”.
Continuaremos com as reflexões do padre Sérgio Leal nas próximas semanas.