
No dia 15 de setembro, Voz Portucalense publicava um texto em que eram lembradas realidades tão próximas como a Feira do Livro, o tempo de férias e o pensamento do filósofo lituano-francês Emanuel Levinas, na sua relação entre a palavra bíblica e o pensamento judaico-cristão, bem como a aspiração à verdade, o drama do totalitarismo e a força dinamizadora da filosofia e a dignidade essencial da pessoa humana. Era seu autor Ernesto Marques Campos, falecido um dia antes. Tinha completado 86 anos.
No fundo, os temas pelos quais se bateu ao longo da sua longa e sábia colaboração na Voz Portucalense, que nunca abandonou, mesmo nos momentos dolorosos da morte de sua esposa. Os seus escritos fundavam-se sempre em palavras inspiradoras e constituíam eles próprios motivos de inspiração para o leitor.
No dia 17 de Novembro de 1984, no salão do Centro Social de S. José, na cidade de Coimbra, 137 instituições elegeram uma lista para a direção União das Instituições Particulares de Solidariedade Social (UIPSS/CNIS). Essa lista era encabeçada por Ernesto Marques Campos, que sucedia ao Cónego Orlando Mota e Costa, que tinha sido o seu primeiro presidente. Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, era professor e desempenhava funções pedagógicas na Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, APPACDM. Tinha também experiência como jornalista da Rádio Renascença, colaborador da Rádio Festival, do Porto, e de vários jornais e revistas sobre temas de educação e solidariedade social, nomeadamente na Miriam e neste jornal diocesano.
A escolha de um laico para a liderança da UIPSS/CNIS pretendia ser um sinal de abertura a toda a sociedade civil e, ao mesmo tempo, desmontar a imagem de que a solidariedade era um exclusivo da Igreja Católica.
Foi presidente da UIPSS/CNIS de 1984 a 1988.
Na continuidade do seu antecessor, liderou aquela organização social solidária de uma forma inteiramente benévola e em muito contribuiu para que ela viesse a ser a maior organização do sector social solidário, com marcas indeléveis: não sendo uma organização da Igreja Católica, era uma organização que se situava na cooperação com o Estado e que acolhia Instituições de ereção canónica (Centros Sociais Paroquiais, Fundações de ereção canónica, Institutos de Organização Religiosa e Misericórdias), Associações de solidariedade próximas das várias ideologias, Casas do povo e Mutualidades, acentuando a capilaridade, a solidariedade e a subsidiariedade.
Durante três anos a equipa coordenada por Ernesto Campos apostou na continuidade da ação social e tratou de credibilizar a organização. Tarefa árdua e muito exigente para a qual não havia meios suficientes. Naquele tempo era preciso “catequizar” os políticos que não entendiam o trabalho específico das IPSS. Naquela fase inicial da organização representativa, ainda incipiente e um pouco rudimentar, em muito contribuiu para a sua estrutura orgânica, para os primeiros passos na construção de um sistema legislativo e da respetiva afirmação com a criação de uma revista a que deu o nome de Solidariedade, nome que resultava de, na altura, na Polónia, estar muito interventivo o sindicato Solidariedade e de este nome aparecer expresso na designação das instituições de solidariedade social. Também muito contribuiu para a afirmação da UIPSS/CNIS junto do Governo e dos sindicatos fazendo passar a mensagem da solidariedade social emergente da sociedade e transmitir a sua filosofia, essa forma de estar ao serviço da comunidade e o espírito benévolo da solidariedade, eles que não entendiam que as pessoas se empenhassem em causas com as quais não ganhassem em alguma coisa. Não entendiam que fosse possível este voluntariado e esta disponibilidade de serviço aos outros.
Ernesto Campos é um dos fundadores e construtores daquilo que é hoje o grande sector social solidário.