Um tempo de novas decisões

No domingo 26 de setembro a sociedade portuguesa é chamada, mais uma vez, a pronunciar-se sobre a escolha das pessoas que hão de dirigir as instituições governativas do país ao nível mais próximo das populações: o das estruturas autárquicas (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia). O seu interesse manifesta-se até na profusão das pessoas  envolvidas nas candidaturas (várias centenas de milhar).

Por M. Correia Fernandes

A importância deste ato eleitoral tem tendência a ser desvalorizado em relação à governação central do país (Assembleia Legislativa e consequente Governo). Recordo que já houve um ano em que as duas eleições foram realizadas no mesmo mês (setembro de 2009). Porém, as eleições autárquicas revestem-se de uma importância de grande relevo, manifestado aliás na profusão das formas imaginativas de propaganda, desde a invasão das caixas do correio até divulgação através de toda a espécie de cartazes, sensatos ou insensatos, que se situam nos lugares mais conspícuos e visíveis das nossas cidades, com grande relevo para as rotundas e os cruzamentos, com toda a espécie de mensagens, de frases apelativas, de propostas aliciantes, das fotos das figuras cuidadosamente trabalhadas.

Cada partido ou candidato é sempre melhor que os outros, as mensagens exploram as esperanças e as ilusões da população: termos como futuro, mudança, responsabilidade, esperança, competência figuram de formas ais ou menos explícitas em todos eles. O engrandecimento dos líderes políticos, a fabricação artificial da imagem de cada uma das figuras, o cuidado posto nos rostos e nas expressões, nos sorrisos trabalhados, na combinação das cores, na escolha das figuras apoiantes, tudo converge mais para a criação de ilusões fagueiras do que para a definição de projetos ou planos de ação. Isto tanto de verifica em ordem ao poder central como ao poder local, que cada vez assume mais relevância, nem sempre virtuosa, no quotidiano dos cidadãos.

Por outro lado, as vozes que se escutam pelas ruas não disfarçam duas coisas: a insatisfação e a desilusão. Frequentemente se ouve dizer que não vale a pena voltar, porque isso não vai resolver nada. A ideia que na população circula acerca da ação política e das personalidades que a gerem possui uma carga de negatividade, tando na linguagem comum como nas múltiplas pesquisas de opinião que os media promovem (estas também de forte carga falível, porque obedecem a critérios estatísticos insuficientes).

Tudo isto acaba por se traduzir na tendência que se tem vindo a verificar da abstenção de votar. No entanto o voto expresso de abstenção (voto branco ou nulo) não tem vindo a constituir fórmula relevante de tradução desse sentimento, porque os cidadãos preferem a via mais cómoda e menos empenhativa: a abstenção de votar.

A campanha eleitoral em curso, aliás já muito operacionalizada para além do seu tempo oficial (neste caso de duas semanas) deveria constituir uma oportunidade de aprofundamento da atitude democrática essencial: o  esclarecimento em ordem à opção. Quantas vezes se realizam as piores opções por falta de cabal esclarecimento.

O apelo que importa dirigir aos responsáveis não é tanto o das inevitáveis e cuidadas palavras, mas o do exemplo da essencial atitude democrática e social: afirmar ideias e propostas sem necessidade de atacar os demais concorrentes, a que geralmente de chama “os nossos adversários”, quando não “os nossos inimigos”, mesmo que a seguir surja o adjetivo “políticos”. Não há adjetivo que altere o caráter substancial da atitude, se ela é de inimizade e a confrontação.

Dois apelos então necessários: um, o da proposta equilibrada e do respeito mútuo, a defesa das ideias e das propostas, evitando o ataque pessoal e a desfiguração do rosto alheio; outro o da realização consciente por parte dos cidadãos do direito e do dever de votar. Não deixa de ser curiosa a transformação da frase tradicional em: posso, quero e voto.

Enquanto não soubermos proceder desta maneira não teremos qualidade na democracia.