
Novidades antigas.
O bispo D. Carlos Azevedo, delegado do Conselho Pontifício da Cultura, em investigação nos Arquivos do Vaticano, recolheu um conjunto de dados referentes à diocese do Porto, com evidente interesse para a História da diocese. Voz Portucalense dá conta desses diversos episódios, cujo envio muito agradece ao ilustre bispo.
Foram há anos restauradas duas urnas magníficas, contendo os corpos dos santos mártires Aurélio e Pacifico, vestidos à romana, recamados a fio dourado, existentes na Sé do Porto. Quando é que os relicários chegaram a Portugal?
Por Carlos Moreira Azevedo*
Não consegue responder a esta pergunta o excelente trabalho de mestrado da Universidade Católica, de Joana do Carmo Palmeirão, que descreve com detalhe as imagens-relicário inseridas numa padiola de madeira, para mais fácil deslocação (Imagem-relicário de Santo Aurélio mártir pertencente à Sé catedral do Porto. Estudo de Conservação integrada das relíquias. Porto 2015). Estes corpos-santos, mereceram grande interesse desde os fins do século XVII, chegaram ao apogeu no XVIII, decaindo no século XIX. Antes de proceder ao trabalho técnico e à análise material da obra e de oferecer dados microbiológicos necessários a uma intervenção de conservação e restauro, Joana Palmeirão, insere o relicário no conjunto produtivo deste tipo de devoção. Retomando a pergunta: quando chegaram estes relicários ao Porto? Eis o que agora dou a conhecer.
Curiosamente, um trabalho da professora Teresa Leonor Vale, do mesmo ano, fornece os dados necessários para saber quem e em que data estes relicários se executaram, desconhecendo a ilustre investigadora que as urnas continuam na sé do Porto (Arte e diplomacia. Lisboa: Scribe, 2015, p. 144). Quando Fonseca e Évora parte de Roma, a 1 de outubro de 1740, já na qualidade de bispo do Porto, deixa a Giuseppe Zarlatti o encargo de acompanhar a conclusão de diversas peças que encomendara, entre as quais refere Luca Antonio Chracas, as dos Santos Aurélio e Pacifico. Transportadas ao Palácio do Duque de Bracciano, perto de Roma, foram admiradas pela nobreza e pelo povo. Refere também um altar portátil. As obras mandadas a Génova seguiram de barco para Portugal, acompanhadas por um familiar do referido Prelado (Chracas, Diario ordinario, 3 de março de 1749, n. 4959, p. 11).
Unindo as informações das duas investigadoras, encontra-se o caminho destes sinais sensíveis, valorizados e regulados pelo Concílio de Trento (1545-1563). Muitas vezes perdeu-se o documento (autentica) que garantia a autenticidade das relíquias e datava a sua execução. A redescoberta das catacumbas romanas em 1578 constituiu uma mina para corpos santos e conduziu a uma “indústria”. Quando não se conhecia o nome do denominado mártir, criava-se um nome novo. Por isso, muitos destes corpos santos montam ossos em moldes para oferecer a ideia de um corpo inteiro. Reveste-se esta montagem com roupagens barrocas, capazes de suscitar devoção e impressionar os devotos. Não é possível encontrar uma vida concreta que corresponda aos restos mortais. A Congregação dos Ritos, a partir dos meados do século XIX, negou o culto a estes corpos-santos, exigindo que fosse substituído por relíquias reais. Ainda em 1806 chega ao Porto a relíquia de S. Victor, encomendada pelo bispo António São José e Castro para o Seminário criado por ele, hoje Colégio dos órfãos. Mas voltemos à Catedral.
Ainda em Roma, o franciscano embaixador de D. João V (1730-1740) José Maria Fonseca e Évora encomendou estes corpos-santos, enviados em 1749 para o Porto. Importa, portanto, acrescentar os relicários portuenses à benemerência cultural deste prelado, que morreu com muitas dívidas (Carlos A. Moreira Azevedo – Rendimentos eclesiásticos e sustento da Inquisição no episcopado de Fonseca e Évora (1741-1752). Porto: Ecclesialis, 2016, pp. 13-31). O espírito barroco predominou sobre o sentido evangélico neste enérgico agente cultural.
*Bispo e delegado do Conselho Pontifício da Cultura