Os padres da Rua

Tempos atrás, quando ia levar os netos ao jardim infantil da Associação Nun’Álvares de Campanhã, sempre encontrava o senhor José no seu trabalho multifacetado: ora aparava uma sebe ou cuidava dum canteiro; ora desentupia uma canalização ou consertava o circuito elétrico. E ainda arranjava tempo para montar o presépio no Natal ou enfeitar o cruzeiro na Páscoa. Com que carinho o fazia e como sorria para as crianças…

Por João Alves Dias 

Um dia, elogiei-o e ele, humilde, respondeu: “Tudo o que sei e sou, devo-o aos gaiatos de Angola, a terra onde nasci”. Quando lhe disse que conhecia o Padre Manuel António, logo seus olhos se iluminaram e exclamou: – Foi ele que me acolheu e fez de mim um homem. Foi mais que um pai para mim! Foi pai, foi mãe, foi irmão, foi amigo. O que seria de mim, se não fosse ele. Um santo!” E seus olhos humedeceram-se de saudade e gratidão.

Falar da ‘Obra da Rua’ é também falar dos ‘Padres da Rua’ como bem disse D. António Francisco, na Eucaristia do 60º aniversário da morte do Padre Américo.

“Aos Padres da Rua de hoje e do futuro pertence continuar o carisma fundador herdado do padre Américo e adequar a sua Obra aos desafios e necessidades de cada tempo e de cada lugar. Quero aqui deixar uma palavra de gratidão a todos os sacerdotes que abraçaram o carisma do padre Américo e continuam a sua Obra por entre dificuldades, incompreensões e provações”.

Admirável foi, também, o testemunho do então bispo de Aveiro, D. António Marcelino, antigo aluno do Padre Américo, que, numa hora difícil para a ‘Obra da Rua’, não se resguardou no silêncio e, com coragem profética:

Denunciou: “O Estado, na tentação de se julgar dono de tudo, até das pessoas, descura o essencial e agarra-se ao acidental. Técnicos, de ideias feitas, não ouvem ninguém porque já sabem tudo, não aceitam senão o que sai das suas cabeças iluminadas. Assim se chegou ao menosprezo das beneméritas Casas do Gaiato e, logicamente, pela sua alma dinamizadora, os Padres da Rua”.

Proclamou: “Os padres da Rua são heróis diários que encarnam o carisma providencial do Padre Américo e têm o dever de o defender e salvaguardar, homens a quem, no dia-a-dia, só conforta o sentido evangélico na sua vida e consciência de uma doação, sem horas nem limites. Milagre que só o amor explica, mas que incomoda quem não é capaz do mesmo, nem compreender o sentido destas vidas singulares.”

Questionou: “ Quem prestou e presta atenção e proporciona amor a centenas de crianças, retiradas da rua, sem família ou de famílias degradadas, que se vão transformando em profissionais competentes, esposos e pais exemplares, cidadãos de mão-cheia, senão a Casa do Gaiato, que as recebeu, amou e ajudou a crescer para a vida e é a única que chora os que se perdem porque o tribunal lhos retirou?”

O senhor José é a resposta. Quando, há dias, o encontrei na rua e lhe disse que iria escrever sobre ele, ficou feliz e acrescentou: – “Estou disponível para o que quiser. Aos ‘gaiatos’ tudo devo. Eles tudo merecem”.

A minha especial estima pelo P. Luís Barata, meu condiscípulo no Seminário da Sé e pelo P. Júlio Pereira que acarinhei na sua meninice. Neles, a homenagem a todos os “Padres da Rua”. E uma oração pelo P. Manuel António, fundador da Casa do Gaiato de Benguela (Angola), falecido no passado mês de dezembro.

Nota – Uma palavra de pesar pela morte do Dr. Ernesto Campos, um amigo. Paz à sua alma.