Mensagem (133): Cristianar

Numa passagem profunda e belíssima, o penetrante D. Miguel de Unamuno alude ao inexcedível contributo da Igreja para a socialização geral ou criação de relações humanas densas e ramificadas, as quais, ao contrário dos contactos ocasionais estabelecidos na feira, comprometem vidas e geram futuros. Refere, fundamentalmente, três momentos que, pondo as pessoas frente a frente, são produtores de novos laços sociais, quer em extensão ou quantidade dos contactos, quer em profundidade afetiva: cristianar, casar e enterrar.

O verbo cristianar é criação de Unamuno. Distingue-o de cristianizar, pois este refere-se mais à dimensão interior de quem se deixa tocar por uma especial relação com Deus ou é evangelizado. Cristianar é, assim, aceitar e fazer o conjunto de atos e manifestações, visíveis e observáveis, que demonstram a inserção na comunidade de pertença dos que identificam a sua fé como cristã. São, essencialmente, o batismo, as «comunhões» e o crisma.

Não obstante a inegável secularização, de forma geral, estes sacramentos continuam como referência para a maioria do nosso povo. Pode não estar muito presente uma fé assimilada. Mas são desejados porque favorecem as tais relações sociais de proximidade: festa, padrinhos, conhecimentos, contactos, convites, namoros, etc. E tudo isto é humano. Além disso, esta religiosidade popular constituir preambulo a uma séria evangelização.

Ao que Unamuno referia como cristianar, nós chamamos “iniciação cristã”. O filósofo, como lhe compete, fixa-se nos laços humanos provenientes destas manifestações exteriores; nós, Igreja, valorizamos mais o espírito interior de adesão à Pessoa e ao estilo de vida de Jesus Cristo. Mas uma não contradiz a outra. Pelo contrário: na dose devida, ambas são boas e se reclamam.

Começamos novo ano pastoral. O plano diocesano continua a insistir na iniciação cristã. Até porque, como é lógico, sem iniciação não há continuidade nem perseverança na fé e na vida eclesial. Então, «cristianemos», cristianizando. Não nos oponhamos às manifestações religiosas, mas esforcemo-nos para que elas constituam um derivado da adesão interior.

A relevância social da Igreja também passa por aí. Até porque, como ensinava um conhecido mestre, uma fé pura –entenda-se: uma fé só de pensamento e sem manifestação em atos religiosos culturais- é igual ao puro ateísmo. Porque não têm raízes nem plausibilidade.

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