Padre Américo na primeira pessoa

O P. Américo nunca teve medo de se expor. Dos seus muitos escritos, selecionei apenas alguns que nos ajudam a melhor o conhecer.

Por João Alves Dias

O Homem – “Eu cá tenho uma só casaca. Casaca que não dou, nem viro, nem troco. Agora, se eu disser que me faço tudo para todos, para que todos sejam meus, isso sim. Isso faço.”

“Se não fora o bem espiritual que nesta missão se recolhe, eu havia de dizer mal, muito mal da minha vida, por ser obrigado a pedir de porta em porta aquilo que o mundo deve.”

– A raiz da vocação – “A Caridade é uma doença que Deus dá no coração da gente; também as pérolas, dizem, são doenças que Deus dá no seio das ostras; toda a beleza e preço vêm da doença, que não do doente. Esta doença gera febre causada pelo mal dos outros e somente a cura deles nos cura a nós.”

O início da Obra – “Eu pedi licença ao então Prelado da Diocese de Coimbra para me deixar visitar e cuidar dos Pobres, que para outra coisa não prestava; em virtude de uma doença que ao tempo me consumia; e ele disse-me que sim.”

O seu objetivo – “Eu acredito nas possibilidades espirituais da fauna das ruas que imerecidamente sofre a fome lenta e o abandono dos responsáveis. Eu desejo levantá-la à altura que lhe compete, dar-lhe o bem a que aspire e sentá-la à mesa com talher completo.”

O Menino da Rua – “O garoto das ruas é um camaleão. Em casa, desobedece; a pedir é choramingas; com os outros, é refilão; nas ruas, é malcriado; às perguntas, é mentiroso. Muda de cor e estilo, conforme os lugares e as circunstâncias. Porém, se ele percebe e sente que alguém no mundo o ama, quer amar também e é fiel.”

A Casa do Gaiato – “É uma obra eminentemente social e familiar. Não tem pautas nem estatutos nem regulamento – nem orçamento. Os mais crescidos vão roçar mato, de manhã cedo, com o almoço numa cesta de vime; e comem quando bem lhes apetece, à maneira dos trabalhadores. O rapaz assim, à vontade, é espontâneo, encantador.”

O jornal ‘O Gaiato’ – “’O Gaiato’ foge à ortodoxia social: não vai buscar gente de fora para fazer a festa. O artigo de fundo que deveria ser, no dia de hoje, encomendado a um ‘senhor doutor’, é escrito por um deles (gaiatos).”

– O Barredo – bem perto da loja de ferragens, na rua de Mouzinho da Silveira, nº 112, para onde o jovem Américo, com apenas 15 anos, veio trabalhar e onde conheceu o P. Coelho da Silva que, mais tarde, bispo de Coimbra, o viria a ordenar presbítero – “é terra de Heróis, de Mártires e de Santos. Nós somos a vulgaridade.”

Vida Cristã – “Oh! Não queiras ser tu insensato, trocando pelo amor a Deus o amor que deves ao teu semelhante. Pois muito bem pode acontecer que tu sejas um ‘mentiroso’ quando bates no teu peito e dizes que amas muito a Deus, sem quereres saber dos que batem à tua porta por necessidade. Olha para as feridas dos teus irmãos e medita, que talvez elas hajam sido feitas justamente por via desse ‘teu amor’  a Deus – e daí vem a mentira que tu és.”

A sua vida – “E aquela pequena moeda de prata, que alguém na ‘Baixa’ me deixou cair nas mãos, resposta misteriosa a idêntica moeda que naquele mesmo instante eu deixara cair nas mãos de outrem! São transacções feitas ao ar livre, sem aluguer de casa nem imposto ao Salazar, para assim dar por inteiro tudo quanto recebo.”

Em síntese… O Venerável P. Américo era, como ele próprio se definiu, “um revolucionário pacífico, um pobre que sangra, um pai que chora, um português que ama”.