A formação moral na escola estatal

O problema da formação moral na escola estatal é um dos temas mais complexos do nosso tempo. O assunto a cada passo vem ao de cima, como foi de novo o caso dos alunos de “Cidadania e desenvolvimento” que foram retidos por se recusarem a frequentar a disciplina, invocando discordância com a orientação moral do programa.

Por Jorge Teixeira da Cunha

É sabido que nenhum Estado pode programar o sistema educativo por directivas filosóficas ou ideológicas. Mas esse princípio é contraditório em si mesmo, pois todo saber tem pressupostos que não são compartilhados por todos. Mesmo a ciência mais abstracta exprime os seus dados dentro de um discurso que leva a subjectividade do seu autor. A escola republicana, de onde vem o nosso sistema de ensino, continua marcada por pressupostos ideológicos que radicam no positivismo cientista e no combate ao suposto obscurantismo clerical. Este foi um dos principais motivos que levou ao desenvolvimento da escolaridade, que não teve em vista a promoção do verdadeiro espírito crítico moderno. Muitos programas da nossa escola continuam afectados por este preconceito ideológico. Por este caminho, não há educação moral possível na escola estatal. Como encontrar uma solução?

Uma solução a discutir, se em Portugal houvesse discussão séria sobre alguma coisa, seria a opção por confiar às Igrejas a educação moral nas escolas estatais. Vou tentar explicar em que condições isso poderia ser justificado.

A história é o primeiro argumento a favor desta solução. As Igrejas, como formas de instituição da atitude religiosa, tiveram e têm um papel importante na configuração do espírito humano e no desenvolvimento da sensibilidade aos valores morais. Seria fora de propósito que se colocasse de frente a questão de lhes confiar esse espaço da educação moral? Isso não parece fora de razão. A Igreja Católica tem até um corpo docente bem formado nessa área, que se ocupa da Educação Moral e Religiosa Católica. Estão perfeitamente em condições de assumir esse papel, com pouco esforço e pouco custo. Para que isto fosse possível, seria necessário colocar a questão na ordem do dia, para que os partidos políticos subscrevessem esta agenda e o parlamento deliberasse nesse sentido.

O segundo argumento é a possibilidade de um programa para a educação moral. Esse programa é possível tendo em conta o corpus de reflexão filosófica e teológica já existente e a desenvolver. Seria um programa baseado na melhor racionalidade ética, tendo a conta a tradição europeia que remonta à Grécia, passa pelo cristianismo e pela modernidade. Esse programa é possível e factível e pode ser compartilhado, se houver boa vontade. No fundo, trata-se de desenvolver criticamente os fundamentos sobre que assenta a nossa vida associada democrática.

Claro que para que isto fosse possível, era necessário um entendimento prévio, entre si, das Igrejas principais implantadas no nosso meio. Elas teriam de se pôr de acordo sobre o seu serviço à comunidade, mais do que sobre os seus interesses particulares. Teriam de justificar a sua confiança na razão humana iluminada pela fé, como forma de diaconia à cultura. O espaço da educação moral não seria nunca parcial nem proselitista. Seria um serviço desinteressado da fé à cultura e à cidadania. Serão as nossas Igrejas capazes de se pôr de acordo sobre este assunto?

Algum leitor deste texto achará que esta ideia é uma utopia irrealizável. Talvez seja. Mas a tentativa de uma escola republicana e filosoficamente neutra é uma utopia ainda maior do que esta. E esta última já provou ser irrealizável. Os fenómenos de mal-estar não são mais frequentes, devido à nossa desatenção ao nosso sistema educativo.