
S. Martinho de Campo, Valongo, 14 de julho de 1956. A tarde corria rotineira naquela terra de lavradores que regavam as agras da beira-rio e de mineiros que, a golpes de picão, arrancavam ‘pedra negra’ no ventre da terra.
Por João Alves Dias
De repente, a notícia caiu como uma bomba e, rapidamente, invadiu os milheirais que debruavam o rio Ferreira, desceu às profundezas das pedreiras de ardósia e fez estremecer todas as famílias, também a minha: –“O Senhor Padre Américo teve um desastre em frente à casa do Ti’Alberto da Chã”. – “Morreu”. – “Foi muito mal para o hospital”. As notícias gritavam contraditórias e confusas. À noite, fez-se romaria para ver o local do desastre – hoje, assinalado por uma‘alminhas’ com flores sempre frescas – e saber o que se tinha passado. E chegou a confirmação: -“ O Padre Américo não morreu mas está muito mal”. Viria a falecer dois dias mais tarde no hospital de Santo António. E “o povo, o mais humilde e abandonado, saiu à rua, enlouquecido pela dor” (JN).
Na homilia da Missa que celebrou por convite das Obras de Apostolado do Porto, D. António Ferreira Gomes começou por dizer: “Morreu o Padre Américo. Morreu como viveu: apressadamente, inesperadamente, a tratar dos outros, e pelo coração. Morreu; e vive ainda. A sua alma vive em Deus, como piamente confiamos, e a sua atividade vital continua-se na sua obra”.
Exaltou o sentir do Porto que se expande na gratidão: “A sua morte cercou-se dum ambiente emotivo e o seu enterro somou-lhe um caracter triunfal, que nos habituámos a considerar doutras eras, que quase não achávamos possível nos tempos pequenos que vivemos. Tudo isto, em verdade e em certa medida, nos remiu da pequenez dos tempos.”
Com ressonâncias linguísticas, afirmou que a sua vida: “resume-se toda naquela evolução fonética e semântica, evolução que, na boca dos gaiatos e dos seus sacerdotes, de Padre Américo fez Pai Américo.
Padre Américo – Pai Américo. O apóstolo dos tugúrios, o criador da Obra da Rua, do Património dos Pobres e do Calvário, foi grande no amor do próximo porque foi grande no amor de Deus. É das Tábuas da Lei, que não podem ser invertidas nem convertidas”.
E continuou:
“Como a mãe toma nos braços o filho do seu amor e das suas esperanças e o levanta bem alto para o oferecer a Deus e ao futuro, assim também em certos momentos tomamos nas mãos da nossa consciência os sonhos e esperanças, os projetos e ambições, o tudo que somos e o mais que queremos ser, tomamos na mão esse como infinito de imagem e semelhança e oferecemo-lo – que esse seja sempre o caso!- oferecemo-lo à assunção no Infinito substancial. São momentos que encerram vidas, são momentos de eternidade. Está aí o sinal que dá sentido à vida. Aí, a cruz de todos as coordenadas, aí, o centro imóvel da revolução do mundo. União com Deus, contacto com o Essencial, prisão ao Eterno: assim a vida passageira, em toda a sua contingência, se pode tornar vida eterna”.
D. António terminou com um apelo: “Fixemos esta imagem de Padre Américo, que, assim, fixamos a sua imagem de eternidade! Que essa imagem seja fecunda em seguidores e imitadores”
Que enlevo espiritual despertou em mim a leitura integral desta homilia!… (in É tempo de falar do Padre Américo).
Padre Américo e D. António Ferreira Gomes, dois filhos de Penafiel que honram a Igreja e engrandeceram o nosso País.