
“A pior das infelicidades dentro da prisão
é de não poder fechar a sua porta”
Henri Stendhal (escritor francês, séc. XVIII-XIX)
A sociedade moderna assumiu a ideia de que a prisão é uma forma humanista de punir o crime; substitui o espetáculo da morte em público do condenado, a exibição de suplícios, de trabalhos forçados, de mutilações e outros castigos corporais que, supunha-se, serviriam para interiorizar a culpa e o arrependimento.
Por Ernesto Campos
A prisão era apenas a custódia do acusado, naturalmente penosa, mas não considerada punitiva. Aquelas outras punições, sim. vemo-las hoje como degradantes e lesivas da dignidade humana; a prisão é, assim, vista como progresso humano e civilizacional.
Quando, agora, a pandemia impõe que se evite a aglomeração e a sobrelotação das cadeias, ao soltar delinquentes, estaremos a defender a ordem pública e a segurança das pessoas ou não estaremos a negligenciar a correção do culpado e o valor moral da expiação que ele deve à sociedade? Convenhamos que a finalidade humanista da prisão implica, sobretudo, o propósito de reinserção do recluso na sociedade restaurando a sua relação sadia e convivente. Parece, assim, adequado que, por razões sanitárias, seja perdoada a pena dos crimes menos graves.
Em todo o caso, a situação levanta questões surpreendentes sobre o que se passa nas prisões portuguesas. Um dos aspetos mais curiosos é que alguns reclusos recusam o perdão ou a atenuação da pena por não terem, fora da cadeia, onde se acolher e como sobreviver; ou simplesmente preferem o convívio prisional ao isolamento em casa. J.-J. Rosseau estava enganado ao pensar que renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem.
A vida nas prisões é certamente penosa, mas não para todos os onze mil reclusos da nossa população prisional: a sobrelotação das cadeias é, só por si, uma forma de tortura e insegurança. A experiência está feita: um certo número de ratos num certo espaço e com alimentação suficiente entra em conflitos constantes quando, ainda que com alimentação bastante, no mesmo espaço se aumentam os ratos. Daí que, a cadeia sobrelotada seja muitas vezes espaço e escola de novos crimes. E não menos chocante é o testemunho do secretário geral de uma organização não governamental, a Associação de Apoio ao Recluso: “a maioria dos reclusos dorme até ao meio dia e, depois, dedica-se a ver televisão na respetiva cela”.; e acrescenta que “ter os presos a trabalhar ou a receber formação dá trabalho”.
Outro dado estatístico (da PORDATA) traduz novo ângulo negro da situação: em 1960, a percentagem de reclusos analfabetos era de 29% e é agora de 3,6%; já os qualificados com o ensino superior têm vindo a subir, de 0,15%, em 1962, são 3,13% em 2020. De facto, o que o berço não dá, a universidade também não oferece. E também nem a prisão é regeneradora.
“Um tal sistema não pode criar senão delinquentes”; no seu
livro de 1975 “Surveiller et Punir – Naissance de la prision”, Michel Foucault desconhecia, ainda, os benefícios da moderna tecnologia. Talvez a pulseira eletrónica seja, neste nosso século XXI, alternativa mais justa aos malefícios da prisão. Afinal, como diz George Bernanos, “cada um de nós é, de algum modo, ora um criminoso, ora um santo”.