
Publicamos aqui os testemunhos de Leonel Rocha, Luís Gonçalves, Luís Lencastre e Marcos Silva. Um registo vídeo, livre e espontâneo, de cada um dos novos presbíteros que vão ser ordenados no próximo domingo dia 11 de julho na Igreja de S. Lourenço pelas 16 horas.
Divulgamos também as respostas dadas por escrito a três questões colocadas por Voz Portucalense:
Quando é que o seu amor a Cristo passou a ser chamamento para a vida sacerdotal?
Como foi o seu percurso de vida até chegar ao Seminário?
Para si o que é ser padre hoje?
Leonel Fernando Gonçalves da Rocha, 34 anos, Porto, Seminário Maior do Porto
R: Não há uma teofania. É uma sede que se vai sentindo aumentar até ao nível da desidratação. Aí, não dá mais para recusar. Necessito de beber da água! Assumo a dificuldade em dizer que fui protelando a decisão. Todos temos o nosso timing. Este, quero crer, é o que Deus quis! Há nesta escolha pelo sacerdócio ministerial algo de paradoxal. É uma espécie de egoísmo altruísta. Sigo por este caminho na busca da minha felicidade. No entanto, esta felicidade alicerça-se no amor a Cristo e à Igreja e concretiza-se no desempenho amoroso pelo outro.
R: Cresci como qualquer outro rapaz sem a mais pálida ideia de que um dia chegaria ao Seminário. Nasci em Aguiar de Sousa e ainda enquanto adolescente aconteceu a mudança de residência para a cidade do Porto. Estudei. Experimentei o mundo do trabalho. Possuía plena consciência de que não me sentia realizado e feliz no empenho das minhas energias e tempo. Esta inquietação constante manteve-me alerta. Ia presenciando a alegria invasora na vida de cada amigo que encontrava o seu caminho. Isso dava-me alento. Também eu encontraria o meu. Era uma questão de tempo. Não minto, é preciso coragem para dar os passos necessários. Por vezes hiperbolizamos os receios. Mas, quando olhamos para trás, percebemos que a única hipérbole foi a da bondade de Deus para connosco manifestada através daqueles que nos ajudaram a chegar aqui.
R: A pergunta leva-nos para um universo mais complexo do que aquele que parece à priori. A Igreja que precisamos e discernimos para o mundo de hoje é que vai definindo o perfil do padre hodierno. Não pode partir de um projeto pessoal. O tempo que nos foi dado viver é específico demais para se compadecer com soluções do passado. Diria que terá de ser um homem atento às mudanças, ao mundo, às pessoas e a Deus. Um homem livre. Arejado. Sem medos. Que procura a santificação e que seja sinal da presença de Jesus.
Luís Delindro Gonçalves, 32 anos, Gondomar, Seminário Maior do Porto
R: Não se trata de um momento isolado, mas da relação com Cristo, em Igreja, que se vai aprofundando e tornando fulcral. Tal foi acontecendo entre família e amigos, no secundário, na licenciatura em Fisioterapia e no trabalho, na vida da paróquia, entre grupos e movimentos, ou na simples rotina do dia-a-dia. Claro que existem lugares privilegiados de encontro com Cristo, como o caso do Caminho de Santiago, ou de retiros.
Também muitos são os modelos que nos desinstalam e fazem questionar a radicalidade da nossa entrega. Alguns são Santos e Beatos conhecidos. Outros são pequenos grandes santos de ao pé da porta. Pessoas que fizeram do Evangelho a bússola da sua vida, ritmando o seu caminhar com uma entrega alegre, humilde e, porque bela, contagiante. Testemunhos que arrastam e fazem querer ir mais longe e mais alto.
Todos estes momentos e encontros acabam por se revelar como páginas escritas pela bela caligrafia do amor de Cristo que nos chama. Tal acaba por despertar um querer entregar a vida por inteiro, o desejo de uma dedicação total a Cristo, à Igreja, aos outros.
R: Vivendo em Rio Tinto, com a minha família, fiz um percurso habitual na escola e na catequese. Em 1999 comecei a ser acólito na Capela de Nossa Senhora da Ponte, em Rio Tinto. Terminando o secundário, entrei no curso de Fisioterapia na Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto. Após a licenciatura, trabalhei durante três anos como fisioterapeuta. Durante todo este período sempre estive envolvido na vida da paróquia, mormente como acólito e catequista. Não posso esquecer o contacto com os Dehonianos presentes na minha paróquia, com o Movimento dos Focolares e com a Verbum Dei.
Tudo isto me fala de acontecimentos, rostos e testemunhos incontornáveis no meu caminho. E, porque falo de caminho, há que referir o Caminho de Santiago. Este foi e é, para mim, lugar sempre novo da descoberta e redescoberta daquele Senhor que me chama e me acompanha em cada etapa. Tendo falado com o meu pároco de então, o Pe Vidinha, fui apresentado ao Seminário do Bom Pastor. Aí fui acompanhado e acabei por entrar no ano propedêutico em 2013.
R: No concreto do mundo em que vivemos, alguém que vive inteiramente a partir do encontro transformador com Cristo, testemunhando-o na alegria do serviço. Alguém que sintoniza o coração com o Coração de Cristo, nada antepondo ao Seu Amor. Um agente de unidade, testemunha credível da Palavra que o move.
Luís Filipe Menéres de Faria Lencastre, 32 anos, Porto, Seminário Maior do Porto
R: Foi um caminho que fui trilhando, de questionamento sobre os meus sonhos e projetos de vida, de descoberta de um sentido de realização e felicidade, e de abertura à vontade de Deus. Não tendo sido um episódio específico a despertar esta interpelação, ela aconteceu num contexto, que obviamente foi marcante. Durante a minha formação superior redescobri um modo de vivência da fé e um conjunto de experiências que me cativaram de forma especial, concretamente na pastoral universitária desenvolvida pelos Jesuítas.
Nessa etapa da vida foram-se despertando em mim algumas questões e inquietações, acerca da minha perspetiva sobre o meu futuro pessoal e profissional. Decidi, então, solicitar a ajuda de um padre, com que já tinha alguma confiança, partilhando aquilo que estava a viver e a sentir. Ao longo de um ano e meio, fui fazendo uma caminhada de discernimento para perceber a origem daquela inquietação e a que é Deus me chamava verdadeiramente a ser. Foi quase como se tivesse aberto uma gaveta até ali sempre fechada, onde a questão vocacional foi estando ali arrumada, no meio de alguma insegurança e imaturidade. Nesse longo tempo, que implicou “jogar as cartas todas” e abrir o coração para compreender a origem daquela inquietude, fui percebendo que me sentia chamado a algo mais, que podia, de facto, passar pelo sacerdócio.
R: Fiz o meu percurso escolar normal até ao secundário. Nessa altura, quando se colocou a questão do curso superior a escolher, como gostava de área da restauração, a opção recaiu sobre a gestão hoteleira. Ingressei na Escola de Hotelaria do Porto e depois na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, onde conclui a minha licenciatura. Em 2012, após algumas experiências de estágios, iniciei a minha atividade profissional na Madeira, na área da gestão de comidas e bebidas. Como já referi, ao longo do meu percurso universitário e início da vida profissional, a questão vocacional foi surgindo com uma forte interpelação. Assim, deixei o meu trabalho e regressei à minha cidade. Fiz uma primeira abordagem ao Seminário Maior do Porto, no qual fui acolhido, em setembro de 2014, e onde tive oportunidade de ingressar como candidato, aprofundar o meu discernimento nesse contexto e iniciar os estudos teológicos.
R: Ser padre é ser servidor da alegria, ser testemunha do amor de Deus por todos, na presença, na escuta e no serviço. É ser sinal de Deus no meio do mundo, tornando-O presente através da minha vida.
Marcos de Sousa e Silva, 57 anos, Brasil, Seminário Missionário Diocesano Redemptoris Mater
R- O meu amor à Cristo só começou quando me fizeram perceber que foi Ele que me amou primeiro. Que esteve no lugar em que eu é que deveria estar (a cruz), que perdoou os meus pecados, deu-me dignidade, deu-me um nome novo, uma nova identidade, mostrou-me o caminho, chamou-me. “E disse-lhe: Segue-me. Ele levantou-se e seguiu”, (Mc 2, 14). Assim aconteceu o primeiro amor.
R: Eu venho do seio de uma família cristã. Entretanto, o meu caminho desviou-se da Igreja, por dar prioridade às minhas realizações. Não fui capaz de conciliar as duas coisas, fé e vida. Com isso enveredei pelo meu caminho e não levei comigo o Senhor. Ele buscava-me sempre, mas, por ser Santo, não poderia estar em todos os lugares em que eu me encontrava. Quando tive a oportunidade de constituir minha família, não o deixei participar. Ainda assim, Ele foi ao Inferno, resgatou-me, chamou-me e abriu-me as portas da Nova Evangelização. “Ainda que vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve”, (Is 1, 18).
A minha entrada no seminário é consequência de um processo catecumenal, de redescoberta das promessas batismais, que me ajuda a crescer na fé e me faz caminhar por caminhos que não escolhi, e testemunhar que o Senhor é Bom. Diz a Carta aos Hebreus: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje; Ele o será para sempre! Não vos deixeis extraviar por doutrinas ecléticas e estranhas”, (Hb 13, 8-9).
R: Para mim, ser Padre, hoje, é seguir o mesmo ensinamento de sempre. É verdade que os tempos são outros, as pessoas são outras, mas os pecados são os mesmos de sempre.
Entretanto, a Cabeça é a mesma para o Corpo. O Espírito é o mesmo, que atua desde sempre. A missão continua. Ser Padre hoje é continuar com o mandato do Senhor: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”, (Mt 28, 19-20). Como fazê-lo? Como São Paulo, usando as armas da fé. Sempre foi grande o combate, porém, as portas do Inferno não prevalecerão, serão destruidas pela Igreja, Corpo de Cristo. Quem afirma isso é o Senhor: “E as portas do Hades não prevalecerão contra ela”, (Mt 16, 18).