«Inclina-se um pouco» – Isto recomenda o Missal ao sacerdote, antes de pronunciar as palavras de Cristo, na Consagração (cf. Missal Romano, pp. 519, 526, 532, 540, 966, etc.). Ao falar das inclinações, a Instrução Geral do Missal Romano, no nº 275, diz: «Além disso, o sacerdote faz uma pequena inclinação enquanto diz as palavras do Senhor, na consagração».
Qual o sentido desta inclinação?
Secretariado Diocesano da Liturgia
O centro da oração eucarística está formado por um bloco que vai desde a epiclese de consagração até à epiclese de comunhão. Assim: na Oração eucarística [diremos, com sigla: OE] I, Cânone Romano, desde «Santificai, Senhor, esta oblação¼» até «…alcancemos a plenitude das bênçãos e graças do Céu»; na OE II, desde «Santificai estes dons¼» até «…sejamos reunidos, pelo Espírito Santo, num só Corpo»; na OE III, desde «santificai, pelo Espírito Santo¼» até «…sejamos em Cristo um só corpo e um só espírito»; na OE IV, desde «Nós Vos pedimos, Senhor¼» até «…para louvor da vossa glória». (Nas concelebrações, os concelebrantes recitam conjuntamente estes blocos, em voz baixa, de forma a que se destaque a voz do celebrante que preside: IGMR 222, 227, 230, 233).
A Oração Eucarística é, como diz a n. 30 da Instrução Geral do Missal Romano, «o ponto culminante de toda a celebração» (a IGMR, no n. 78, reforça: «o ponto central e culminante de toda a celebração») da Missa. Forma um todo uno que vai desde o diálogo inicial do Prefácio até ao Amen (o grande e explosivo Amen) da Doxologia final (IGMR 79). Mas, nela, poderemos considerar este bloco mais central, como diz o Catecismo da Igreja Católica, nº 1106: «Com a Anamnese, a Epiclese está no centro de toda a celebração sacramental, e muito particularmente da Eucaristia».
Se nos focarmos no centro deste centro, ganha relevo a Narração da instituição. Note-se que os elementos descritos em IGMR 79 não são peças desligadas; são como que ondas concêntricas, penetradas por um mesmo dinamismo que as unifica. Por isso, esta narração é mais que uma mera leitura evangélica: é a atualização da palavra de Cristo como Palavra que faz o que diz, pela força do Espírito Santo. Alguns acordos ecuménicos chamaram, muito bem, a atenção para isso mesmo: a consagração eucarística é obra da Palavra de Cristo e do Espírito criador.
A rubrica do Missal que indica que o sacerdote, antes de pronunciar as palavras de Cristo, se inclina um pouco (parum se inclinat), é muito antiga e está carregada de sentido. Desse modo, exprime que pronuncia essas palavras, no âmbito da Epiclese. Não as diz com a sua autoridade – nem são palavras «suas» –, por isso se inclina reverentemente perante Aquele que fala pela sua voz ministerial, e abriga-se à sombra do Espírito criador e santificador que acaba de invocar. Deste modo, toma consciência e exprime que não é dono da Eucaristia, mas ministro, e que tanto ele como a assembleia recebem a Eucaristia de Outro, do Senhor da Igreja. S. João Crisóstomo dá a seguinte explicação: «O sacerdote não toma os dons antes de ter invocado a graça de Deus¼ pois que o sacerdote não pode fazer o que quer¼ é a graça do Espírito, que vem e cobre com a sua sombra, que realiza este sacrifício místico».
A Anamnese cantada pelo povo («Anunciamos, Senhor, a vossa morte…») que, depois o sacerdote (com os concelebrantes) retoma e formula, integra este bloco que desemboca na oblação e na epiclese sobre os comungantes. Também a aclamação ao «Mistério da Fé» deriva da graça do Espírito Santo: convém explicar isso aos fiéis!
«Inclina-se um pouco»: eis uma rubrica singela que vale uma celebração, que pede uma atitude: um pormenor maior na arte da mistagogia. Sem isso, ou nem se observa ou nem se adverte, ou não passa de rubricismo, filho da ignorância que esvazia os gestos.