
Publicamos aqui os testemunhos de Carlos Llivisaca, Davide Costa, Edgar Leite e José Pedro Novais. Um registo vídeo livre e espontâneo de cada um dos novos presbíteros que vão ser ordenados no próximo domingo dia 11 de julho na Igreja de S. Lourenço pelas 16 horas.
Divulgamos também as respostas dadas por escrito a três questões colocadas por Voz Portucalense:
Quando é que o seu amor a Cristo passou a ser chamamento para a vida sacerdotal?
Como foi o seu percurso de vida até chegar ao Seminário?
Para si o que é ser padre hoje?
Carlos Mauricio Sacta Llivisaca, 35 anos, Equador, Seminário Diocesano Missionário Redemptoris Mater
R: Senti-me amado por Cristo na Igreja, numa comunidade neo-catecumenal da paróquia San Carlos Borromeo de Ricaurte. A experiência do amor incondicional de Deus moveu-me interiormente a dizer sim a uma caminhada vocacional com vista ao sacerdócio. Isto aconteceu entre os 14 e os 17 anos. Aos 18 anos entrei no seminário.
R: O meu percurso de vida até o seminário ao principio não tinha em vista o seminário, visava, mais a realização pessoal no estudo para logo ter um bom trabalho e ganhar dinheiro suficiente para assegurar a vida. Aos poucos e com a ajuda da Igreja descobri neste percurso a providencia de Deus manifestado na família que dentro das suas possibilidades transmitiram-me a fé, na comunidade paroquial San Carlos Borromeo de Ricaurte a qual possibilitou, pela catequese, os meios para realizar uma experiência de Deus, numa comunidade neo-catecumenal onde experimentei o amor incondicional de Deus face as minhas fragilidades e pecados, no testemunho de catequistas sempre dispostos a anunciar o Evangelho. Foram estes instrumentos que Deus colocou num percurso de vida que, orientado somente por mim, não tinha em conta Deus.
R: Para mim, ser padre hoje é ser cristão, uma pessoa que deseja viver a maneira de Cristo, imagem na qual fomos criados. Esta vivencia cristã se concretiza no contexto, no qual cada um é chamado a viver a sua missão no oferecimento de si próprio e na entrega à missão confiada pela Igreja. Uma pessoa que se reconhece débil e frágil e, no entanto, escolhida em favor da missão da Igreja que é fazer presente Cristo ao mundo.
Davide Emanuel Almeida da Costa, 27 anos, Oliveira de Azeméis, Seminário Maior do Porto
R: Desde criança, com algumas experiências marcantes de oração, senti que Deus me chama a algo de especial. Sentir-me propriamente chamado à vida sacerdotal só depois do 1º ano de Seminário Maior, isto é, depois de conhecer a vida sacerdotal um pouco mais por dentro. O segredo esteve na maior dedicação/espaço ao silêncio da Palavra, aos 2 primeiros anos de Seminário, à descoberta de Deus e de mim próprio. Mas o amor a Cristo e o chamamento à vida sacerdotal são processos inacabados e nunca adquiridos. Precisam de resposta cada dia e cada momento, cada vez mais profunda.
R: Vivi com os meus avós paternos até aos 12 anos, embora tendo contacto com os meus pais quase todos os dias, o que me trouxe muitos valores e hábitos fundamentais, humanos e religiosos, mas também algum acanhamento em algumas coisas tidas como triviais, que ainda hoje ando a aprender… Além disto, o meu pai teve que emigrar quando eu tinha 16 anos. Senti falta dessa presença tão fundamental. E com a minha entrada no Seminário em 2011, já com o secundário concluído, e sendo eu filho único, ainda maior o desafio se tornou…Sempre tive contacto frequente com Deus, em família e em Igreja, e vivi grande parte da minha adolescência na escola, nos espaços e nas relações de qualquer adolescente normalmente bem-disposto, que sempre gostou de estar com a família e os amigos, de ir à catequese e de cantar na Igreja, e de jogar futebol, bilhar e matrecos. Em suma, foi bom, naturalmente com percalços e aventuras mas nada de maior, e sobretudo vivendo e aprendendo com Deus, com a Igreja, e com a família, amigos e conhecidos. Percurso este que é uma linha contínua que continua a desenhar-se.
R: Ser padre é ser para os outros, isto é, viver de tal modo que melhor possa servir os outros. E como cada um só dá o que tem/ o que recebeu, é viver à volta da oração, mas no concreto das pessoas, principalmente das suas dificuldades, sendo próximo, bom ouvinte e simpático. É ser cada vez mais reflexo de Cristo, em amor, verdade, simplicidade, justiça, coerência e liberdade, aceitando que a Cruz que deriva de tudo isto vale a pena, para si e para os outros.
Edgar Manuel Ferreira Leite, 27 anos, Felgueiras, Seminário Maior do Porto
R: Penso que já foi no meu percurso no seminário que discerni mais profundamente a minha vocação. ELE soube primeiro que eu por onde passa a minha felicidade. É certo que ninguém vai para o seminário para ser astronauta, mas penso que o meu início foi muito numa perspetiva de discernimento, uma fase de autoconhecimento. Tive um superior no seminário menor do bom pastor que costumava dizer que no seminário menor formam-se homens, e penso que foi neste tempo que me questionei com sinceridade e autenticidade que homem eu quero ser? E como toda a gente, ou pelo menos a maioria, a resposta foi, quero ser um homem feliz e essa felicidade percebi que passa naturalmente por esta entrega total e livre a ELE.
R: O meu percurso é muito simples. Eu sou aquilo a que chamamos “seminarista de carreira”, ou seja, eu fiz todo o meu percurso desde o início do seminário. Eu frequentei a escola primária na minha terra, em Sendim, mais tarde o segundo e terceiro ciclo frequentei as escolas de Felgueiras e o ensino secundário fiz já na comunidade residente do Seminário Menor do Bom Pastor, frequentando a escola secundária de Ermesinde. Em suma, posso dizer que a minha vida até entrar num seminário foi a vida normalíssima de um estudante atual.
R: Para mim ser padre hoje é ser feliz. Esta é uma questão que dava para ficarmos a esmiuçar durante todo o dia. Contudo procurarei ser muito sintético. Ser padre nos dias de hoje para mim é ser homem de Deus, homem que continuamente procura e que simultaneamente procura espalhar Deus por onde passa. Na sociedade de hoje penso que é incrivelmente belo ser padre, com todo o tipo de conotações que por vezes são vistos. Ser padre é, em primeiro lugar, ser feliz ou deve-o ser sempre, felicidade esta que deve contagiar, que deve fazer de nós pessoas bem-dispostas. Ser padre é reconhecer-se amado e amar. Amado pelo Senhor e amar o Senhor também nos outros, e este “outros” é toda a gente, mesmo toda. Ser padre é ser homem de oração, é ser alguém que fala com Deus, como quem dialoga com o seu amigo, que é capaz de estar com Ele, que é capaz de agradecer, que é capaz de pedir. Ser padre hoje é estar presente na sociedade, é estar com os idosos, é estar com os doentes, é estar com as crianças, com os jovens, com os casais, é a capacidade de estar com todos e umas vezes levar outras vezes trazer um bocadinho deste Deus que é amor. Ser padre hoje é ser alguém que testemunha a fraternidade com os colegas. É alguém que serve nas diversas solicitações e muito diversificadas. Ser padre hoje é a aventura de se santificar com todos aqueles que o rodeiam.
José Pedro de Magalhães Novais, 31 anos, Marco de Canaveses, Seminário Maior do Porto
R: Não houve um momento concreto, mas um caminho que foi progressivamente enraizando em mim a consciência de ser conduzido por Deus para este estado de vida cristã. Ao longo do caminho, houve cinco momentos-charneira, curiosamente alternando positivos e negativos: o impacto do primeiro encontro do Pré-Seminário; a oposição da minha família quando eu quis ingressar no Seminário Menor; o arrebatamento depois da minha primeira aula na Faculdade (foi Latim, com o extraordinário Professor Meireles – e eu, um nerd das Ciências, depois disso descobri na Teologia a minha grande paixão intelectual); a minha saída forçada do Seminário Maior após o 5º ano; e, finalmente, a mistura de alegria e espanto quando, quatro anos depois, fui recebido de volta no Seminário.
R: A primeira aproximação ao Seminário fez-se através do Pré-Seminário, no meu 8º ano de escolaridade. Tinha 13 anos. Até aí, o meu percurso foi perfeitamente banal: frequentava a escola e a catequese, participava assiduamente na Eucaristia, era acólito e organista.
R: Basicamente, o mesmo que em qualquer época, mas com os pés bem assentes no chão do mundo actual. E o que deve ser um padre? No dia em que pedi ao bispo a ordenação diaconal, um dos sacerdotes mais idosos da nossa diocese ofereceu-me um postal da Ponte da Arrábida e escreveu no verso: «Ser ponte!». Parece-me uma imagem incrivelmente acertada: ser padre é ser ponte. Em primeiro lugar, entre Deus e as pessoas. Isso implica rezar muito; ouvir ainda mais; não falar demasiado, para que a palavra não deixe de ser pertinente; ser um homem inquieto para acompanhar os «buscadores de Deus», corajoso para erguer profeticamente a voz quando é preciso despertar as consciências (sobretudo dos cristãos) e misericordioso, para derramar a graça divina nas feridas humanas. Em segundo lugar, o padre deve ser ponte entre as pessoas: ser alguém que gera comunhão à sua volta. Olhemos para a Igreja: nela há muitas maneiras legítimas de se ser cristão, muitos caminhos seguros para chegar a Deus, muitas sensibilidades que merecem ser respeitadas. Hans Urs von Balthasar gostava de dizer que «a verdade é sinfónica». Então, o padre, como «colaborador da Verdade», deve ser maestro: aquele que ajuda cada músico a tocar a parte que lhe compete com a sua arte e a técnica própria do seu instrumento, de modo a que a orquestra produza uma maravilhosa sinfonia. Para mim, isso é ser pastor.