Criminalizar a homofobia? E outras atitudes?

Sucedeu na semana que passou um episódio que é muito sintomático dos tempos que vivemos.

Por Jorge Teixeira da Cunha

O Vaticano pediu explicações, por via diplomática, sobre as leis anti-homofóbicas que estão em processo de aprovação pelo Estado Italiano. Essa forma de intervenção é rara, a respeito de assuntos de costumes, uma vez que a Igreja respeita a laicidade e não interfere na produção das leis civis, mesmo quando se referem a assuntos com os quais está em desacordo, como seja a despenalização do aborto. Para justificar esse procedimento extremo estarão em causa aspectos concretos da lei, como a celebração nas escolas de um dia contra a homofobia, ou a delicadeza das escolas católicas, após a provação da lei, falarem da homossexualidade como um pecado. Mas a coisa tem contornos mais complicados.

Comecemos por perguntar: a moral cristã é contra a discriminação de pessoas, sejam homossexuais, sejam outras? Não. Mesmo não discriminando pessoas, a moral cristã discrimina ideias e debate de ideias e valores morais. São duas coisas diferentes. Não discriminar pessoas é uma exigência dos Direitos Humanos da primeira geração, dos direitos políticos básicos. A homossexualidade, porém, é um assunto de outra ordem, um assunto antropológico e ético que pode ser discutido. Ora, se, pela lei da homofobia, vier a ser criminalizado o debate de ideias, temos um problema político pela porta do lado. A matéria, como se vê, não é fácil de clarificar. Por isso, uma lei que que confunde o plano universal em que deve situar-se, com a causa de uma minoria concreta é uma lei problemática e não devia existir. Há dois motivos para isso.

O primeiro é o carácter controverso dos Direitos Sociais. Enquanto há um acordo sobre os direitos políticos, como é a não-discriminação, não há acordo sobre a garantia dos direitos sociais, quando se trata de matérias moralmente controversas. Não há acordo sobre fornecimento de serviços abortivos, de contracetivos, da eutanásia. Também não há acordo sobre a moralidade da homossexualidade. Por isso, a lei contra a homofobia não pode proibir as pessoas de discordarem da homossexualidade. Entre o discordar e o discriminar vai haver uma grande confusão que criará mais problemas do que os que resolverá. Daí que uma lei contra a homofobia se apresenta como um problema e não como uma solução.

O segundo aspecto controverso a criminalização de atitudes. Podemos distinguir entre atitudes e comportamentos. Estes últimos são visíveis e podem ser proibidos e criminalizados. As atitudes, pelo contrário, são difíceis de identificar. Quem pode identificar um acto de ódio com facilidade? Uma pessoa pode odiar outra sem nunca o mostrar. O mesmo se pode dizer da homofobia, que é uma acção mais da ordem da atitude do que do comportamento. Por isso, é, a nosso ver, muito discutível a existência de uma lei penal visando uma atitude. É certo que o direito penal tem avançado com penalizações para o ódio disto e daquilo. Mas esse caminho está longe de ser uma opção indiscutível.

Que deve fazer a Igreja, perante uma situação destas? Protestar por via diplomática é uma possibilidade. Mas é um risco. E pode ser-lhe perguntado, como aconteceu em Itália, se aceita ou não a laicidade do Estado. Por isso, a Igreja deve investir, com mais convicção e com mais competência, na discussão dos valores morais e deve tentar trazer o assunto para o âmbito do fundamento da ética. Nessa arena, tem melhores armas e melhores argumentos. É isso, a nosso ver, o que deve fazer sobre a homofobia e sobre outras matérias semelhantes que estão em cima da mesa legislativa em diversos países.