Toda a nossa glória está na cruz

In hoc signo vinces” – com este sinal vencerás –, terá sonhado certo dia o imperador Constantino. Obedecendo à visão, Constantino fez representar sobre os escudos dos seus soldados um sinal cruciforme, alusivo à Cruz ou, mais diretamente, às duas primeiras letras gregas do nome Cristo, cruzadas: XP.

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

A vitória na batalha de Ponte Mílvio (28 de outubro de 312), que abriu caminho à liberdade de culto dos cristãos no Império Romano, será atribuída a uma especial proteção deste sinal de salvação.

Mas a grande vitória ligada ao sinal da Cruz é a do próprio Crucificado Ressuscitado que convida os seus discípulos: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16, 24). Como São Paulo, o cristão só se pode gloriar na Cruz de Cristo (cf. Gal 6, 14). A vida cristã está marcada pela cruz, desde o batismo até à morte.

No dia do nosso batismo, fomos marcados na fronte com o sinal da vitória de Cristo, a cruz. Este gesto vai sendo avivado ao longo da nossa vida, como marca da nossa pertença a Cristo e gesto de fé no Redentor. Já o Antigo Testamento (Ez 9, 4-6) fala da salvação dos que são marcados com o taua última letra do alfabeto que, na antiga grafia hebraica, tinha a forma de uma cruz oblíqua – e o Apocalipse (Ap 7, 3), ecoando a profecia de Ezequiel, refere os que estão marcados na fronte com o selo do nosso Deus, sinal protetor. Nós cristãos, ao traçarmos o sinal da Cruz sobre o nosso corpo, confessamo-nos membros do nosso Povo, seguidores de Cristo que nos salvou pela sua cruz. E, ao deixarmos esta vida, é traçado, pela última vez, sobre os nossos restos mortais, o sinal da nossa vitória, a Cruz de Cristo.

A cruz é um dos poucos símbolos universais comuns a todas as confissões. Parece que não terá sido representada, diretamente, pelos cristãos das primeiras gerações. Tiveram mais êxito as figuras do Pastor, do Peixe, da Âncora, da Pomba… A partir do século IV, converteu-se, pouco a pouco, no símbolo mais corrente para representar Cristo e o seu mistério de salvação. As primeiras representações, quer pictóricas quer esculturais, mostram-nos um Cristo glorioso, com túnica ampla e coroa real: um Cristo na cruz, mas vencedor, ressuscitado. A primeira representação «realista» da crucifixão de Cristo que se conhece é um baixo relevo do início do séc. V (porta de madeira da basílica de Santa Sabina). Mais tarde, sob influência da espiritualidade medieval, tomou lugar a representação de Cristo sofredor. Esta representação mais tardia conseguiu fazer esquecer a anterior, sem dúvida, muito expressiva.

A cruz é um símbolo tão repetido que corre o risco de, frequentemente, passar despercebido: a cruz que preside à celebração, próxima do altar; a cruz que encabeça a procissão de entrada; a cruz que colocamos em nossas casas e nos aposentos; a cruz peitoral dos bispos e o báculo pastoral do Papa; a cruz adorno ou mesmo joia que trazemos ao pescoço; múltiplas formas de sinal da cruz que traçamos sobre as pessoas ou sobre coisas e sobre nós mesmos. Tantos momentos a proporcionar-nos a grande lição do cristianismo: mensagem de salvação e de esperança; imagem plástica do amor e condescendência divinos, da reconciliação e aliança com os homens; profissão de fé e compromisso de seguir Cristo no seu caminho pascal.

Na celebração eucarística, a cruz toma uma evidência flagrante. Há, contudo, três momentos em que o gesto é realizado por toda a assembleia: no princípio e no fim da celebração, e antes da proclamação do Evangelho.

No princípio e no fim, associado ao nome da Trindade, evoca o nosso batismo e lembra a nossa condição de discípulos de Cristo e membros da família de Deus. A Cruz reuniu-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Antes da proclamação do Evangelho, fazemos a tríplice cruz (persignação) na fronte, na boca e no peito, exprimindo o total acolhimento do discípulo a Cristo, Palavra de Deus. Também nos benzemos com o sinal da cruz na liturgia das horas, no início dos cânticos evangélicos (ao Benedictus, em Laudes; ao Magnificat, em Vésperas; ao Nunc dimittis, em Completas).

Gesto simples e eloquente, o sinal da cruz, feito conscientemente, lembra-nos a nossa condição de discípulos do Crucificado, testemunha a nossa identidade cristã, aponta o nosso itinerário pascal: pela Cruz à Glória.