
Para a maior parte de nós, leigos na matéria, os economistas falam uma linguagem estranha, hermética, exclusiva de iniciados. Não obstante, por vezes descaem-se com estatísticas e, nesse caso, já entendemos alguma coisa.
Por exemplo, um dado relativo aos salários. Parece que em 1975, nesses alvores da nossa democracia ainda chorona, o seu peso representava 72% do PIB. Em 2017, já só valia 63%. Se conjugarmos esta variação com o aumento da produtividade, calcula-se que os ordenados poderiam aumentar cerca de 1.890 euros. Neste caso, o salário mínimo situar-se-ia nos 2.500 euros. Um sonho, não?
É verdade: sonho ou frustração. Especialmente por parte dos jovens, por um conjunto de circunstâncias que se entrecruzam e potenciam. Eis algumas: a ânsia do primeiro emprego leva a aceitar tudo; quase incapacidade de distinção entre estágio formativo e trabalho rentável; demasiada precaridade laboral; por vezes, «excesso» de formação para o trabalho em causa, gerando frequentes circunstâncias de licenciados a auferir salário mínimo; abusos da noção de «objetivos a atingir», etc.
É inegável que, de forma geral, vivemos muito melhor do que no passado: a abundância de produtos até conduz à sua destruição e a tendência é para serem cada vez mais baratos. Mas o problema é que são alguns a ter de suportar essa «qualidade» de vida e, mesmo assim, é só para quem a pode pagar. «Qualidade» cada vez mais posta em causa, como, friamente, denuncia a conhecida frase de Agostinho da Silva: “A liberdade que há no capitalismo é a do cão preso de dia e solto à noite”.
O Papa não se cansa de apelar a um recomeço novo e diferente na pós-pandemia que, se Deus quiser, já se aproxima. E a recente Cimeira Social, da União Europeia, também o referiu. Embora de forma tão tímida que quase não se notou. Para isso, é preciso que a inteligência de todos se debruce sobre esse modelo inovador. Fundamentalmente, é preciso substituir os velhos e estafados chavões da “competitividade” e da idolatria do mercado/consumo pelos de partilha, solidariedade, dignificação e até frugalidade. E pelo respeito da natureza.
Veremos, portanto, qual o tempo mental onde assentamos: na repetição do passado ou na capacidade de inovação. O Espírito renovador de Deus apela a este segundo âmbito: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Não nos oponhamos a Ele.
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