Migrações

“Abraão, sai da tua terra e da tua parentela (…) e vai para a terra que eu te mostrar”

Gn 12, 1

A citação bíblica quer dizer que a terra é para todos. Por isso, a migração  é um direito indiscutível que se pratica desde sempre e hoje está consagrado em códigos e tratados, embora condicionado pelos Estados mais ou menos autoritários.

Por Ernesto Campos 

Os portuguesas sabem-no bem; e lá andam por Franças e Araganças, 2,5 a 3 milhões, já em 2.ª geração. Quando, há anos, se aconselhava os jovens a deixarem a zona de conforto e emigrarem, apenas se correspondia ao desejo de procurarem melhores condições de vida.

Somos um país de emigração, mas  acolhemos também quem foge à guerra e à miséria e procura aqui segurança e trabalho. Estima-se que teremos 590 mil imigrantes, não contando os trabalhadores sazonais que vêm para fazer o trabalho que os portugueses rejeitam, apesar de 7% de desempregados.

Quando se fala destas coisas, a questão é posta em termos de causas e consequências, quer nos países de origem, quer nos países recetores, consequências demográficas, económicas, políticas… Uma das mais notórias é que os imigrantes que nos chegam são jovens adultos com família que os acompanha; família que não se sujeita à limitação da natalidade que hoje é a tendência nos países ocidentais. E com a  renovação geracional vem a alteração dos hábitos, da língua, da cultura e, até, da religião.

A questão é: a estes migrantes, que lhes devemos? Mais que  causas e consequências, o que está em jogo é a pessoa. Mas, ao instalarem-se entre nós, os imigrantes são vistos, não raro, como ameaça ao bem- estar que alcançámos em décadas de trabalho e desenvolvimento. De facto, o mínimo que lhes devemos é a integração em condições de trabalho, sem discriminação: horários, tempos, formas de contratação, prevenção de exploração, nomeadamente do trabalho sazonal. O triste exemplo de Odemira não corresponde ao nosso dever de país anfitrião nesta Europa que se ufana dos direitos humanos. Receber os imigrantes como pessoas, segundo critérios de equidade e equilíbrio (cf. João Paulo II), é exigência óbvia de uma política civilizada e cristã.

Em última análise, no nosso próprio interesse. Mais que obstáculo, a imigração é um recurso enriquecedor. Desde logo, vem atenuar o envelhecimento da população: são mais os velhos que os jovens – 1,5 idoso por cada jovem. Prevê-se, que em 2050, a população portuguesa diminua dois milhões. Por outro lado, o trabalho sazonal é a réplica, hoje dos portugueses, que em meados do século passado, emigravam ilegalmente, “a salto”, para trabalharem no que os franceses não queriam; sujeitando-se a viver em bairros de lata. Mas os tempos são outros, nem o bidon-ville se justifica e mesmo aos imigrantes ilegais temos de lhes oferecer a vacina.

Nada disto, porém, nos deve alhear da obrigação de impedir o tráfico de pessoas e regulamentar o fluxo migratório a nível nacional. A nível internacional, cumpre desenvolver uma política concertada na União Europeia de migração de trabalhadores e refugiados.  Nos países de origem promover formação profissional: o Plano de Recuperação e Resiliência fala disso para portugueses, mas não será menos útil para estrangeiros, a fim de facilitar a integração social dos imigrantes e evitar a migração desordenada. Seja o caso  de países de fala portuguesa, Tempo é de superar, de um lado e de outro, pecados velhos que a história já apagou, substituindo-os co por fraterna e fecunda cooperação.