
Na celebração litúrgica, toda ela «tecida» de sinais que significam e realizam, no modo próprio de cada qual, o mistério salvífico, «olhar» e «ver» são de importância fundamental.
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Tanto se o olhar perscruta a ação ritual, permitindo participar mediante «ritos e preces», como se a visão se detém na contemplação de uma iconóstase que introduz o orante na história divina da salvação mesmo ocultando uma parte significativa da ação sacramental, apenas entrevista nos momentos fugazes em que se entreabrem as portas santas.
Urge recuperar e elevar a visão como caminho de participação litúrgica e não apenas de distração enleada que assiste no desfilar de imagens fugidias de um espetáculo incapaz de focar a obra divina que, não obstante, acontece diante dos nossos olhos sempre tentados a mudar de canal.
Cuidado particular tem de nos merecer a luz na celebração. Não pensamos, principalmente, nas razões funcionalistas e pragmáticas que, sem dúvida, importa assegurar. Quem, por exemplo, lê a palavra, seja de Deus seja a Deus, precisa de ver e de ser visto. Esse patamar mínimo tem de ser assegurado.
Mas a perspetiva típica da Liturgia é simbólica e não funcional. A luz é um símbolo apropriado e praticamente universal da natureza divina: «Deus é luz e nele não há trevas» (1 Jo 1, 5); é fonte de luz (Sl 35, 11), habita numa luz inacessível (1 Tim 6, 16). Já no AT o Messias era prometido como «luz» (Is 49, 6; 60, 1). E, vindo ao mundo, o Verbo, luz verdadeira, ilumina todo o homem (Jo 1, 9). O próprio Jesus se apresentou como «a Luz do mundo» (Jo 8, 12).
O tratamento da luz natural e artificial no edifício de culto nunca é questão menor. E, por isso, projetar uma Igreja não é como projetar um pavilhão polidesportivo.
Na mesma perspetiva poética e simbólica, é muito significativa a tradição cristã de, tanto quanto possível, edificar as Igrejas alinhadas de poente (fachada) para oriente (cabeceira ou ábside). Os judeus apontam as suas sinagogas para Jerusalém; os muçulmanos alinham as suas mesquitas na direção de Meca. Os cristãos, «orientando» as suas Igrejas, não fixam nenhum lugar geográfico particular mas voltam-se para Cristo Ressuscitado, o verdadeiro «Sol nascente» que se levanta das alturas para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte (Lc 1, 78-79).
Os cristãos das eras antigas rezavam sempre voltados para este «Oriente», ou seja, para Cristo, mesmo quando o espaço disponível para a implantação do novo edifício não permitia respeitar esse cânon arquitetónico. E esse fator simbólico tinha mais peso do que a preocupação «arquitetónica» de dotar as igrejas com a melhor luz possível nas horas extremas do dia e de as defender dos excessos de luminosidade nas horas do meio-dia, o que também conseguiam excelentemente.
Se da consideração do espaço sagrado passarmos para o tempo litúrgico, então ainda mais evidente se torna a importância simbólica da luz. Como canta o Génesis no poema da criação, Deus criou dois grandes luzeiros: o sol para presidir ao dia; a lua e as estrelas para presidirem à noite. E assim assinalam os dias e as horas da oração e da celebração. Basta pensar na centralidade da Vigília pascal – que ocorre no domingo subsequente à lua cheia da Primavera – que é o «sol» do ano litúrgico: aí se «acende» a «luz de Cristo» que brilha indefetível, vencendo a noite e a morte.
Num paralelismo interessante, também a celebração do Natal se apoia fortemente na simbologia da luz: «Pelo mistério do Verbo incarnado nova luz da vossa glória brilhou sobre nós» (Prefácio I do Natal). Também as «horas» do Ofício Divino são ritmadas pela luz que na oração da Igreja é assumida como «quase matéria» da Liturgia das horas. Bem diferente é a Luz da manhã que inaugura o dia – esplendor da criação liberta das trevas (caos) e memorial da ressurreição do Senhor – da luz do poente que o conclui, convidando ao recolhimento, e do acender da lâmpada que evoca para o crente a luz de Cristo que dissipa as trevas da noite e o projeta na espectativa da vinda do Senhor.