A Europa numa encruzilhada

O nosso velho mundo cultural europeu está numa encruzilhada: regressar às suas fontes para manter a sua identidade ou perder-se por caminhos que não levam a lado nenhum, a não ser à sua dissolução.

Por Jorge Teixeira da Cunha

Os factos estão aí: a Europa é cada vez mais irrelevante na economia mundial, o chamado multiculturalismo dentro das suas fronteiras está a substituir a memória cristã por outras memórias, as mudanças demográficas farão de nós diferentes em poucos decénios. Não prezamos a liberdade religiosa nem as outras liberdades (como se viu recentemente em Paris), a maioria de nós portugueses (segundo um estudo recente) não se incomoda se for governada por um ditador. O que fazer para dar de novo à Europa uma alma, aquilo que fez de nós um mundo de liberdade e de bem-estar?

O que precisamos primeiramente é de uma nova instalação na realidade. Não precisamos de mais saber, precisamos de mais religação ao coração da vida. Nós temos pensado a nossa habitação da Terra como conhecimento científico, tecnologia, aumento do poder do nosso “ego”. Ora, foram esses factores que nos levaram à crise em que nos encontramos. Em vez de mais tecnologia, necessitamos de cuidado, cuidado de nós, dos outros, dos viventes, da Casa Comum. Não precisamos mesmo de mais educação, dessa que não serve senão para nos envaidecer, para nos elevar socialmente. Em vez disso, precisamos de iniciação, sim dessa iniciação de que fala o cristianismo e que é muito mais do que saber mais para poder mais e prever mais. A iniciação é o caminho para a nossa instalação na vida, essa vida que nos precede e que tem em Deus a sua origem imemorial. Cada ser humano necessita de ser religado à vida, antes de ser lançado na arena do quotidiano. Ora, isso hoje é linguagem que ninguém entende e, por isso, estamos à míngua de humanidade e doentes da nossa alma, desligada de tudo e de todos.

Precisamos também de novas metas para a nossa comunidade política. As revoluções que fizemos tinham como meta a igualdade, para além da liberdade. Ora a igualdade é a mais impossível das metas da comunidade política. Continuar a falar dela é adiar o porvir. Os seres humanos são todos diferentes é essa diferença que deve constituir a meta da comunidade política. Diferentes enquanto pessoas, diferentes enquanto família, região, religião, habilidades, carismas, vocações. Por isso, a meta da comunidade é potenciar a originalidade de todos para que um bem comum possa ser conseguido com o contributo diferenciado de todos. A igualdade não se consegue pelo elevador social da educação. Pelo contrário, consegue-se pelo mergulho na realidade que nos livra do nosso “ego” omnipotente e nos capacita para a cooperação. Precisamos de um sistema político que nos permita desenvolver a originalidade e não que nos manipule para entrarmos no tribalismo amorfo em que vamos vivendo (e que beneficia os mais espertos do rebanho).

Os nossos países europeus necessitam de uma nova evangelização, como têm insistido os Papas, desde João Paulo II. Sem dúvida.  Mas evangelizar implica uma metanoia e uma terapia. Foi esse o programa de Jesus, como no-lo transmitem os Evangelhos. Antes da doutrina e da competência teórica, há um longo caminho para o advento do sujeito em liberdade e em cooperação. É isso que tem faltado à Europa. Por influxo da cultura científica, temos reduzido tudo à quantidade de conhecimentos e à qualidade das ideias. Por aí não vamos a lado nenhum. Gastamos dinheiro inutilmente a formar gente competidora e infeliz. Não é por acaso que o baptismo tem como símbolo o mergulho, como forma de despojamento do mundo velho. Isso não faz falta. Isso nos bastará para reingressar na humanidade. Todos os dias.