Mensagem (126): Securas

Tudo leva a crer que os laços de sangue sejam os últimos a serem desfeitos, depois de todos os outros terem sido quebrados. Mas se assim é, por aquilo que vemos, há que concluir que, de facto, muitos outros já desapareceram. E ficou o chocante: abandonos de familiares em hospitais para os filhos poderem gozar as férias e as «pontes»; uma mãe de três filhos, institucionalizada num Lar, que não recebe visitas deles há seis anos; um emigrante, dono de um palacete que só o usa quinze dias por ano, mas que tem a mãe num tugúrio, a escassos metros, e não se preocupa nada com a situação; etc.

Porquê esta secura de afetos? As razões serão muitas. Começa no modelo educativo familiar e prolonga-se no libertarismo que reivindica tudo e não dá nada em troca. E também na mentalidade, mais ou menos generalizada, de que o Estado tem de responsabilizar-se por tudo: desde a educação ao emprego, da saúde à segurança, das infraestruturas à assistência social.

Resultado? A cultura do desfrute individual, a falta de compromisso social, a insolidariedade existencial, a solidão e o empobrecimento emocional e afetivo, a barreira intergeracional, o não reconhecimento do outro como outro. Numa palavra: arrefecimento. Arrefecimento daquelas fontes de calor quem geravam a atração e o bem-estar do tecido social.

Porque assim é, o meu pensamento volta-se para quantos têm a capacidade de contrapor o empenho pessoal e a solidariedade a esta «cultura do descarte»: aos familiares que tratam os seus com desvelo de heroísmo; aos voluntários de tantos organismos e aos visitadores de doentes, verdadeiros quebradores do gelo da solidão; aos funcionários dos apoios domiciliários e aos que trabalham em lares e creches e se esforçam por colocar «mais coração nessas mãos»; aos que se entregam para dirigir gratuitamente as melhores das nossas obras de misericórdia e solidariedade social, etc. Enfim, a quantos acreditam no amor como única chave com que a humanidade poderá abrir as portas do futuro.

A eles, porque são os verdadeiros –e únicos!- revolucionários deste tempo, um simples, mas afetivo “bem-hajam”.

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