Com amigos destes….

Muitos devem ter dado conta das notícias sobre o apoio prestado, entre 2012 e 2014, pelos serviços secretos dinamarqueses aos seus homólogos norte-americanos para colocarem sob escuta políticos e dirigentes de vários países europeus, entre os quais da Alemanha e de França.

Por Maria Isabel Tavares*

Entre os “alvos”, a chanceler Alemã, Angela Merkel, e os na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros e líder da oposição. Também terão sido escutados altos funcionários franceses.

Nessa altura, era Obama o inquilino da Casa Branca, acompanhado de Joe Biden, então vice-Presidente dos Estados Unidos.

As alegações não são novas. As provas agora apresentadas é que o são.

Exigiram-se responsabilidade e transparência. Há investigações a decorrer. Para todos, escutados e perpetradores, parece haver consenso sobre a gravidade daqueles comportamentos.

Repito: Estados Unidos, Dinamarca, Alemanha e França. Todos, aliados na NATO. Os últimos três, membros da União Europeia. Na altura de Obama (e de Biden, já agora).

Estados Membros da NATO e da União Europeia que se espiam. Perplexidade. Incredulidade.

Centremo-nos na União Europeia, que nos habituámos a proclamar ter sido criada para garantir a paz na Europa; a União fundada na democracia, no Estado de Direito e no respeito pelos Direitos Humanos; a União da cidadania, da integração e da solidariedade.

Vivemos a realidade: a União em que as ditas democracias iliberais (que contradição nos termos!) emergem com tranquilidade; a União em que a extrema direita se alarga em plataformas transnacionais com uma repercurssão que vai além do que queremos crer; a União que apelida de “crise migratória” um aumento irrisório de pedidos de asilo, se comparado, por exemplo, com os Estados vizinhos dos países de origem daqueles que fogem ao conflito (penso no Líbano, por exemplo).

Sabemos: são necessários os moderados. Num mundo do imediato e das redes sociais, arriscamo-nos a confundir moderação com tibieza. Há que chamar “os bois pelos nomes”. Se se tratou de espionagem, o facto é muito grave, principalmente para o moderado que vê nos seus aliados aqueles que são fiáveis. Se a questão é, simplesmente, de humanismo, como no caso dos refugiados, o moderado não tem de hesitar na sua defesa. Com clareza e honestidade. Para lá da espuma dos dias.

Mas voltemos à União Europeia… Achamos mesmo que a “proclamação” cria a realidade?

Talvez o caminho que escolhemos hoje não seja o  pensado pelos fundadores (mesmo que teimemos em proclamar que sim); talvez a pressão da “mudança” do mundo seja mais forte; talvez a cultura, o desenvolvimento humano, a educação, não tenham assim tanto peso; talvez a economia seja, afinal, o motor de tudo. Mas caminhemos de olhos bem abertos. Enfrentemos, definitivamente a questão: a mudança, a ameaça, a vulnerabilidade não é só consequência das escolhas, das opções, do crescimento dos “outros”, dos “adversários” ou dos “distantes”. Não é lá longe.

*docente da Escola do Porto, Faculdade de Direito, Universidade Católica Portuguesa