
Os jornalistas António Marujo (7Margens) e Ricardo Perna (Família Cristã) foram ao terreno investigar. Os dados recolhidos revelam que há muita vontade para fazer caminho com a encíclica, mas, falta ainda muito por fazer.
Por Rui Saraiva
Concluiu-se neste mês de maio o ano especial dedicado à Encíclica “Laudato Si”. Aquando do quinto aniversário da publicação do documento, o Papa Francisco lançou um percurso de um ano para “chamar a atenção para o grito da terra e dos pobres”.
Um estudo ao concreto da realidade
Foi no espirito deste apelo do Santo Padre que as publicações “Família Cristã” e “7Margens” em Portugal decidiram desenvolver um estudo sobre o modo como a encíclica do Papa está a ser aplicada pela Igreja em Portugal. Um estudo em forma de questionário online que foi enviado às dioceses e também a congregações e movimentos. Foram 36 as entidades chamadas a participar. Chegaram 31 respostas.
Os autores deste estudo foram os jornalistas António Marujo, do portal “7Margens” e Ricardo Perna da revista “Família Cristã”. Ambos construíram com os dados recebidos um retrato da aplicação da Encíclica “Laudato Sí”. Uma investigação que chegou a duas principais conclusões: metade das dioceses portuguesas não incluem os temas da “Laudato Si” na formação para os ministérios ordenados e nenhuma delas tem definidas metas ecológicas com base na encíclica do Papa Francisco.
Entretanto, o estudo revela também que 70% dos inquiridos aproveita as energias renováveis do sol ou do vento e a maioria das instituições indicam que fazem separação de lixo com 69% a afirmarem que diminuíram o consumo de plásticos. Dado de relevo é a redução do desperdício de água assinalada por 71% dos inquiridos.
Comentando os dados alcançados, António Marujo refere a importância da criatividade na aplicação da encíclica, citando o exemplo da Conferência Episcopal do Bangladesh que decidiu plantar 700 mil árvores. E lança a ideia de que as comunidades católicas locais em Portugal poderiam envolver-se “no debate sobre políticas florestais” nas suas regiões.
“Falta ainda muito por fazer e sobretudo ser criativos, puxar pela criatividade. E aí não posso deixar de pensar no exemplo da Conferência Episcopal do Bangladesh com aquele plano para plantar 700 mil árvores. Eu olho para esse exemplo e pergunto porque é que em Portugal, que vive anualmente tragédias com os incêndios, porque é que as comunidades católicas locais não se envolvem desde logo no debate sobre políticas florestais da sua região, da sua zona, mas também na busca de soluções criativas para resolver este problema. Enfim, creio que como dizia uma das nossas entrevistadas, a professora Isabel Varanda, deve-se perguntar como Igreja onde é que está a singularidade de uma atitude e de um estilo de vida para viver com alguma coerência também em relação a este patamar exigente que são as questões ambientais e ecológicas, ou seja, as questões da Criação” – afirma António Marujo.

“Há muita vontade de fazer um caminho” – diz Ricardo Perna analisando as conclusões do trabalho e citando as respostas da maioria das entidades eclesiais inquiridas.
“Julgo que a principal conclusão do trabalho de investigação que fizemos é a vontade que existe da parte da grande maioria das pessoas com quem falamos de fazer caminho nesta área. Mesmo considerando que há respostas e que há dioceses ou entidades eclesiais que têm muito caminho pela frente, foi bom perceber que mesmo essas não tiveram vergonha e medo de assumir que há esse caminho para fazer. Portanto, julgo que uma das principais conclusões é de que há muita vontade de fazer um caminho” – refere.
Segundo o jornalista Ricardo Perna, há “dioceses, congregações e institutos” que pelo trabalho já desenvolvido nesta área “poderão ser uma fonte de riqueza e de conselho para aqueles a quem falta fazer caminho”.
“Alguma dificuldade em compreender a total amplitude de uma Encíclica como a “Laudato Si” que não é apenas uma coisa referente à proteção do meio ambiente, mas tem a ver com a tal ecologia integral de que o Papa fala. Há também uma sensibilização que precisa de ser feita junto dos vários agentes pastorais. Há, de facto, dioceses principalmente, mas também outras estruturas, que têm um caminho para fazer porque lhes falta coisas muito básicas naquilo que diz respeito ao cumprimento daquilo que são as respostas do Papa. Por outro lado, há também dioceses, congregações e institutos que têm caminho feito de forma muito interessante que poderão ser uma fonte de riqueza e de conselho para aqueles a quem falta fazer caminho. Julgo que a principal conclusão é de que falta caminho, mas há condições para que esse caminho possa ser feito e há sensibilidade para que esse caminho possa ser feito” – frisa Ricardo Perna.
Uma encíclica social
Recordemos que o Papa Francisco, desde a publicação da Encíclica “Laudato Si” em 2015, evidenciou sempre a necessidade de esta ser interpretada como uma encíclica social. Uma dessas ocasiões teve lugar em julho de 2015 discursando para mais de 70 autarcas de todo o mundo reunidos no Vaticano num encontro promovido pelas Academias Pontifícias da Ciência e das Ciências Sociais sobre as “mudanças climáticas e as novas formas de escravidão”.
No seu discurso o Papa sublinhou a importância do trabalho dos autarcas sublinhando que conhecem o governo local e as periferias. O Santo Padre referiu-se, na ocasião, ao fenómeno do crescimento desmesurado das cidades baseado em fenómenos migratórios que comportam consequências negativas de exclusão.
Segundo Francisco, estes fatores, juntamente com a idolatria da tecnocracia, têm levado à falta de trabalho, ao desemprego e a problemas como o trabalho sem contrato e as novas formas de escravidão.
Citando a sua Encíclica “Laudato Sí”, o Santo Padre recordou que aquilo que se pede no cuidado com o ambiente é muito mais do que uma simples atitude verde, mas sim uma atitude de ecologia humana. Afirmou na ocasião que a “Laudato Sí” é uma encíclica social.
“Não é uma encíclica verde é uma encíclica social, porque da vida social dos homens não podemos separar o cuidado com o ambiente, que é uma atitude social” – afirmou o Papa.

A este propósito, o jornalista António Marujo considera que muitas pessoas ainda não apreenderam a ideia social da encíclica. Uma ideia de ecologia integral através da qual não é possível “separar a preocupação com a Natureza, da justiça para com os mais pobres”.
“Parece-me que a Encíclica “Laudato Si” é uma encíclica social. O próprio Papa se referiu a essa ideia quando a publicou. Mas, muitas pessoas não terão ainda apreendido essa ideia, essa consistência. O Papa apresenta nesta encíclica uma visão da ecologia integral que passa pela adoção da proposta de S. Francisco de Assis de não podermos separar a preocupação pela Natureza, da justiça para com os mais pobres e do empenhamento na sociedade e na busca da paz interior. O Papa refere isso no nº10, esses quatro fatores são importantes para uma ecologia integral e fazem desta encíclica também um texto fundamental para a doutrina social católica” – sublinha António Marujo.
Por seu turno, Ricardo Perna, refletindo sobre o conteúdo social da encíclica, sublinha a importância do exercício da coerência por parte das comunidades e organizações católicas “no sentido de procurarem um estilo de vida mais simples, com maior justiça social”.
“Nós sabemos que é muito importante que a Igreja no seu discurso tenha em mente aquilo que são os conteúdos da encíclica. E que no seu discurso vá pressionando para que de facto estas medidas possam entrar nas comunidades, nas organizações, nas estruturas, no sentido de procurarem um estilo de vida mais simples, com maior justiça social, com maior proteção pela criação, pelo ambiente, pelos animais, por tudo isso. Mas, acima de tudo, há também aqui um aspeto de coerência. A Igreja tem que ser capaz de, ao mesmo tempo que fala das coisas, mostrá-las. Mostrar como é que do seu lado as consegue cumprir” – declara Ricardo Perna.
Ecologia integral, para um novo estilo de vida
A Encíclica “Laudato Sí, sobre o cuidado da casa comum” propõe uma “ecologia integral” que seja novo paradigma de justiça que erradique a miséria e a desigualdade no acesso aos recursos.
Num texto desenvolvido em seis capítulos, Francisco de Roma coloca-se na esteira de Francisco de Assis e inspira-se no Cântico das Criaturas para recordar que a terra “se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma mãe, que nos acolhe nos seus braços”. Esta terra agora, está maltratada e saqueada e ouvem-se os gemidos dos abandonados do mundo – escreve o Papa.
É preciso uma “conversão ecológica” – evidencia o Santo Padre na sua Encíclica – uma “mudança de rumo”, para que o homem assuma a responsabilidade de um compromisso para o cuidado da casa comum. Um compromisso para erradicar a miséria e promover a igualdade de acesso para todos aos recursos do planeta.
A Encíclica faz, assim, um diagnóstico minucioso dos males do planeta: poluição, mudanças climáticas, desaparecimento da biodiversidade, débito ecológico entre o Norte e o Sul do mundo, antropocentrismo, predomínio da tecnocracia e da finança que leva a salvar os bancos em detrimento da população, propriedade privada não subordinada ao destino universal dos bens.
Pode-se ler na Encíclica que é necessária uma “revolução cultural corajosa” que mantenha em primeiro plano o valor e a tutela da cada vida humana, porque a defesa da natureza “não é compatível com a justificação do aborto” e “cada mau trato a uma criatura é contrário à dignidade humana”.
O Santo Padre pede diálogo entre política e economia e a nível internacional não poupa um juízo severo aos líderes mundiais relativamente à falta de decisões políticas a nível ambiental e propõe uma nova economia mais atenta à ética.
A Encíclica “Laudato Si” de Francisco sublinha que se deve investir na formação para uma ecologia integral, para compreender que o ambiente é um dom de Deus, uma herança comum que se deve administrar e não destruir. E bastam pequenos gestos quotidianos: fazer a recolha diferenciada dos lixos, não desperdiçar água e alimentos, apagar luzes inúteis, agasalhar-se um pouco mais em vez de acender o aquecimento. Desta forma, poderemos sentir que “temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo e que vale a pena sermos bons e honestos” – escreve o Papa.