Recordando que, lá pelos anos de 1970, a então Livraria Telos Editora, pela mão do saudoso Eloy Pinho, publicava um título da autoria do teólogo francês da Universidade de Toulouse, René Coste, intitulado Dimensões políticas da Fé.
Por M. Correia Fernandes
Na altura mereceu reparos e foi objeto de atenção por parte de alguns sectores do poder político de então, por cheirar a promoção de uma atividade na sociedade, cujo exercício era visto como portador de contornos subversivos: a intervenção e a ação política. No texto do autor, muito rico de sugestões inspiradas na relação entre o Evangelho, a tradição teológica e as forças sociais de então, incluindo e tradição doutrinária dos ensinamentos papais, afirmava-se a importância e a centralidade da ação política como uma exigência das propostas da palavra evangélica e do ensinamento eclesial. Ali escreve: “A história do homem é, enquanto história de Deus entre os homens, história da aliança universal e da universal convocação para o Reino”, citando um documento do Sínodo dos Bispos em 1971, com o tema “A justiça no mundo”.
É na mesma ordem de ideias que somos agora confrontados com a palavra do Papa Francisco sobre esta dimensão da fé cristã. Num encontro neste 20 de maio de 2021, realizado em contexto de pós-pandemia, presencial e estabelecendo ligação com diversos países, o Papa apontou várias dimensões da política, que é útil recapitular:
1.A ação política insere-se no campo dos desafios e exigências da Educação.
2.Importa superar a desconfiança em relação à ação política, muitas vezes desvalorizada na linguagem corrente por uma opinião pública que julga a realidade pelas aparências e episódios casuais.
3.”A política é a forma mais alta, maior, da caridade. O amor é político, isto é, social, para todos”, na versão divulgada pela informação da Santa Sé.
4.A política “adoece” quando conduz aos conflitos e às guerras: “As guerras são a derrota da política, a perda da vocação de unidade, de harmonia”.
5.A política “não é um ponto de chegada, é um começo, um início de processos”. O ponto de chegada, a intenção e a finalidade devem ser os caminhos que conduzem à harmonia, à unidade aos processos que edificam a valorização da pessoa, do desenvolvimento humano e da paz social.
Assim o Papa salienta o valor instrumental da política: ela não é um fim, mas um meio, um conjunto de formas de atuação equilibradas e rectamente orientadas. Inseriu também neste contexto a crítica direta à busca das armas e à mística das guerras, ao afirmar: a pergunta sobre as guerras é o verdadeiro teste sobre a política. O Papa associou também nas suas palavras o valor do desporto como escola de gratuitidade, melhor que a sofisticação tecnológica.
Segundo informação veiculada pela Agência Ecclesia, o encontro contou com ligações, em vídeo, com a nova sede da Fundação “Scholas Occurrentes” (Escolas em construção), uma fundação pontifícia que teve a sua origem na cidade de Buenos Aires em 2001, quando Jorge Mario Bergoglio era arcebispo da capital. A nova sede, além da Argentina, tem expressões em Sydney (Austrália), Valência (Espanha) e Washington D.C. (EUA).
Importa agora que, também entre nós se afirme e instale este sentido da política como serviço à sociedade, especialmente em circunstância de escolhas eleitorais, sempre propícias a propostas de ações em prol do bem comum, que rapidamente são esquecidas quando se alcança o poder. Essa é a dimensão a que o Papa chama “a concepção míope do poder” (Laudao sì, n. 178). Importa que se supere o tom agressivo, ideologicamente violento, das diatribes eleitorais em que, esquece-se, todas as forças políticas propõem o objetivo da construção do bem comum. Um dos grandes equívocos que se apodera da atividade política é que o alcançar o poder se torne a finalidade da ação política, como defendiam as instruções leninistas. A proposta de que a política não é uma finalidade mas um caminho, implica a sua subalternidade em relação ao bem da pessoa, da sociedade e do equilíbrio humano. Aqui lembramos também a afirmação de Tolentino de Mendonça, afirmando que Francisco propõe “uma mudança de mentalidade que é política, que é religiosa e que é social”.
Como podemos observar, estas propostas são recorrentes, mas continuam como ideais nobres difíceis de conseguir. As relações entre a democracia e o poder são complexas e cheias de escolhos. No entanto não podemos perder de vista os ideais, seguindo os apelos do Papa Francisco, que volta sempre a este tema. Afinal toda a proposta de Jesus é um ideal e uma utopia escatológica. Toda a história da Igreja é constituída pela busca humana dessa utopia divina. Aí está a sua grandeza e as suas limitações.