
Entrevista com Marta Esteves que colabora com o Secretariado Diocesano da Pastoral da Juventude e também com a Equipa Diocesana de Coordenação Pastoral.
Entrevista conduzida por Rui Saraiva
1)O Vaticano publicou orientações pastorais para Jornada Mundial da Juventude celebrada anualmente a nível diocesano. O documento pede que este dia seja uma “festa da fé”. Como tem sido vivido este acontecimento na diocese do Porto nos últimos anos?
Estou certa que a Diocese do Porto tem sido exemplar neste caminho. Trabalho com a Pastoral Juvenil há cerca de 20 anos e sempre percebi o esforço de pensar, criar e reinventar esta vivência. Colaborava primeiro como jovem, depois como coordenadora de grupo e passei ainda pelos Missionários Combonianos e agora como membro do SDPJ Porto. Houve anos em que a celebração foi a nível vicarial, outros em que era proposto que a vivêssemos com a nossa comunidade paroquial e outros ainda a nível diocesano. Recordo até um ano em que nos unimos aos Escuteiros e celebrámos o dia da juventude juntamente com o dia de S. Jorge. Se sempre foi um bom momento pastoral, de criação de “mais valia”, teríamos que avaliar ano a ano, mas sem dúvida que sempre foi uma grande festa da Fé.
Atualmente, o que sinto e partilho do SDPJ Porto é que a preocupação é sempre reinventar, mudar, criar, pensar, para que estas grandes festas da Fé, que visualmente têm um impacto grande pelos números que movimentam, deixem marcas e sejam transformadoras.
O jovem, por natureza, procura, vai sempre à descoberta, ninguém nasce cristão, os cristãos formam-se, crescem, amadurecem. Estas festas de Fé da juventude, como diz o documento, devem servir para esse caminho.
Os jovens estão cada vez mais exigentes. A linguagem muda quase diariamente, o que hoje faz sentido se calhar amanhã já não faz. Isto faz que estes momentos exijam muito de quem os prepara. Exige escuta, atenção, observar e ter sempre o coração aberto para se transformar. Creio que se pode dizer que para qualquer trabalho em Igreja é necessário isto: parar, escutar, observar e guardar no coração e deixar que se transforme.
2)“É necessário ter a coragem de envolver e confiar papéis ativos aos jovens” – refere o documento da Santa Sé. Da sua experiência neste âmbito, acha que os jovens estão disponíveis para assumirem papéis mais ativos?
Sem dúvida. Nem questiono. Mais que disponíveis. Há jovens mais que preparados, com uma generosidade imensa, sabedoria em áreas que, nós mais velhos, já nos custa às vezes entender e temos que correr atrás. E, mais uma vez, voltamos à escuta, ao caminhar juntos. Se eles têm força para remar, os “mais velhos” têm sabedoria para indicar caminhos ou até construir outros caminhos juntos.
Vem-me sempre à cabeça a imagem do “Caminho de Emaús”, usado como exemplo também na Exortação Apostólica Cristo Vive e no Sínodo sobre os Jovens, a Fé e o discernimento Vocacional. É assim que vejo o trabalho com os jovens.
3)E as comunidades paroquiais estão preparadas para dar protagonismo aos jovens?
Talvez aqui exista o tal entrave. Eu acho que o trabalho da Pastoral Juvenil devia ser feito ao contrário, ou seja, não para jovens, mas para os adultos entenderem e aprenderem a trabalhar com os jovens. Ou pelo menos que estejamos todos dispostos a ouvir e partilhar. Eu compreendo que seja complicado parar para ouvir, entender, conversar….
A vida corre muito, e as nossas paróquias têm tanta atividade, tanta reunião, que não há tempo para parar, conversar e pensar. Mas também acredito e tenho visto que há mudança. Também sou uma mulher de Fé e acredito que o Espírito Santo sopra e opera no seu ritmo e no seu tempo.
4)A Jornada Mundial da Juventude passa a ser celebrada na Solenidade de Cristo Rei sendo sublinhado no texto do Vaticano a importância da sua proximidade com o Dia Mundial dos Pobres. O documento sugere mesmo que se promova, junto dos jovens, “o trabalho voluntário” e o “serviço gratuito”. Qual a sua opinião sobre esta ideia e sua concretização?
Os jovens têm vindo a mostrar-se cada vez mais disponíveis para o serviço. E vemos isso até nos jovens não católicos ou sem religião. Proliferam os voluntários, desde aqueles que o fazem à porta de casa até aos que viajam para lugares recônditos do mundo. E isso é incrível. É um fenómeno que requer atenção. Eles dão lições ao mundo inteiro e só não aprende quem não quer.
É muito natural que colemos o dia da juventude ao dia dos que mais sofrem. Por muitos motivos. Como já referi eles estão em formação e envolverem-se nestas causas, nestas questões de pobreza vai permitir que aprendam que o que nos deve mover é o outro, o que sofre, … e não é isto a Igreja de Jesus, o outro? Amar o outro na sua pobreza e dificuldade? E é tão bom estar ao serviço. Por experiencia pessoal, quanto mais me abri aos outros mais e melhor me conheci, mais cresci nas minhas fragilidades, mas mais feliz me senti.
E não podemos esquecer a radicalidade dos jovens. Eles não fazem as coisas mais ou menos, não são mornos, quando se apaixonam eles movem montanhas. Entregam-se de peito aberto. Mas cabe-nos a nós, animadores, catequistas, coordenadores, ajuda-los a apaixonarem-se por Jesus. Estes dias de jornada, dias diocesanos, são oportunidades únicas para lhes apresentarmos Jesus.
Depois há muito outro trabalho: a oração, a catequese, o estudo da Palavra … Mas nestes dias eles vêm, reúnem-se, vem à aventura, de peito aberto… Não podemos é desperdiçar oportunidades e às vezes parece que nós, os mais velhos, somos peritos nisso.
5)Na preparação para a JMJ 2023 tem estado muito empenhada na animação das atividades mensais de dia 23. Como tem sido essa missão com a dificuldade acrescida de acontecer em tempo de pandemia?
Incrível. Não há como explicar. Dou graças a Deus todos os dias por ter a sorte de gerir a comunicação do SDPJ Porto e por consequência de todas estas dinâmicas ligadas à JMJ, e ter este privilégio de muitas vezes ver em primeira mão, todos os pormenores do que os jovens estão a fazer, a forma como aderem… a alegria que sentem.
Mesmo durante o período mais duro da pandemia, onde vimos o nosso Dia Diocesano cancelado, e todas as outras nossas atividades presenciais, e tivemos que nos reinventar e usar as redes e os meios digitais para ir lançando desafios online, os jovens aderiram de uma forma impressionante e eu pude acompanhar de perto. Senti-me mais próxima da Juventude do Porto e de Jesus. Não há rosto mais parecido com Jesus do que o rosto de um jovem.
O que é difícil é criar e quase “fazer cambalhotas” para ter ideias! É difícil entender, ou exige de nós, a linguagem e mudar a forma de comunicar. Vivemos tempos de mudança rápida e isso sente-se. Estamos como Maria, apressados por chegar a casa de Isabel. Só temos que entender qual o caminho a tomar e quem são as nossas “Isabeis”. Mas muito disto é, também, pensado em equipa, em partilha de ideias, ninguém trabalha sozinho.
Os dias 23 têm sido maioritariamente online para evitar as grandes concentrações. Começamos com um concerto em novembro e este mês de maio estamos com “flores e luz”, em pleno mês de Maria e dia de Pentecostes.
6)O que espera do caminho de preparação para a JMJ 2023 que está a ser desenvolvido e o que acha que deveria ser realizado nestes dois anos?
Esta pergunta daria para eu escrever um livro, para poder dizer tudo que penso. Mas tentando resumir: eu espero caminho. Sempre o caminho. Penso muitas vezes nas Bodas de Caná, uma festa, onde Jesus faz, a pedido da Mãe, o seu primeiro milagre. O pedido de Maria é também para nós. Como nos revela o tema da JMJ o seu sim decidido, a sua pressa, a sua alegria, os seus pedidos, tais como os que fez aos nossos Pastorinhos de Fátima, são também para nós.
É assim que vejo a JMJ, principalmente a de Lisboa 2023. Além disso, estamos perante um novo cenário, provocado pela pandemia. Parece que todos teremos que voltar às raízes, como se precisássemos todos de reeducação cristã. Reeducar para a Eucaristia e para a prática da fé. E ir buscar quem está longe, ou quem se afastou, reeducar para a missão. Parece-me que a JMJ 2023 poderá ser a oportunidade para esta reiniciação. Para dentro e para fora da Igreja. Para nos renovarmos, nos alimentarmos, nos pormos a caminho das “Isabeis” que estão à nossa espera.
Se repararmos a JMJ tem vindo a ser mote de renovação e reinícios, se no ano 2000 a mensagem da JMJ nos trazia o “Verbo”, o inicio, e tínhamos preparado um caminho até à chegada de Cristo, por estes anos voltamos a recordar esta preparação e esta vinda, através de Maria e do seu “Sim”, amoroso e disponível. Voltamos ao amor primeiro, que nos recorda, também, a Exortação Apostólica Cristo Vive no capítulo 4, Deus que é amor e se revela, por Cristo nos salva e que, pela conversão, vive, sendo Maria o nosso primeiro exemplo a seguir, a grande Missionária que se põe a caminho.
Parece, que o Papa nos recorda sempre, com paciência paternal, a nossa centralidade – Jesus Cristo, a sua mensagem de salvação – o Amor e a necessidade transformação e renovação permanentes. Mostrando o rosto de Jesus sempre jovem, com a alegria da descoberta de um mundo sempre novo, renovado e cheio de esperança. Talvez daí a necessidade da Evangelização que o Papa pediu ao D. Manuel Clemente, para a preparação da Jornada Mundial da Juventude, Lisboa 2023.
A JMJ mexe com a vida de todos os quadrantes da sociedade, é uma festa com milhões de pessoas que tem um impacto imenso em qualquer país que a acolha. Pensamos que estão abertos novos caminhos com novas oportunidades para percorrer e agarrar. Vivemos um tempo de graça que devemos aproveitar. Como se tivéssemos duas grandes janelas abertas e conseguíssemos ver novas paisagens e não tivéssemos coragem de sair pela porta em busca delas. Eu espero que saibamos agarrar a oportunidade.