Agravados pela pandemia, tem havido problemas de sustentabilidade nas IPSS que justificam algumas reflexões.
Por Tiago Azevedo Fernandes
Sublinhe-se que não estão em causa pressupostos de boa-fé e de dedicação dos responsáveis pelas IPSS, senão nem sequer haveria qualquer interesse em trocar informações e estudar o assunto com elas. Mas o ponto causa dificuldades na comunicação e tem profundas raízes culturais (neste caso negativas) em Portugal: a solicitação de informações e os pedidos de esclarecimento são vistos como manifestações de desconfiança, como tentativas de “julgamento”. Contudo, essas informações e esses esclarecimentos são elementos fundamentais de gestão, e por isso indispensáveis para que se possam analisar os casos com verdadeiro conhecimento de causa. Agregar a colaboração dos interessados no assunto e que possuirão competências ou contactos complementares não é um desperdício de esforço, é uma via que contribuirá para proporcionar aos utentes serviços cujo encerramento cada vez mais frequentemente vai sendo anunciado.
Outra barreira cultural que é difícil de ultrapassar é a postura (certamente involuntária, por ser tão característica do país) “já tentámos tudo o que era possível tentar, logo está provado que não é mesmo possível fazer melhor”. Cada vez mais, num mundo que é complexo, o sucesso se obtém pela capacidade de colaboração, pelo recurso ao desenho cooperativo de soluções envolvendo os diversos “stakeholders”. Quando a Administração Pública tem uma acção insatisfatória, quando os apoios estatais são escandalosamente insuficientes, resta o recurso à sociedade civil para ultrapassar dificuldades pontuais e para, também pela via política numa Democracia, fomentar mudanças estruturais.
Há outra dimensão que será relevante para um católico. Um centro social paroquial, e a própria paróquia, não são entidades “privadas” como uma empresa ou uma IPSS independente não ligada à Igreja. É claro que em todos estes casos as entidades têm responsáveis claros, que as decisões só por eles podem ser tomadas e são eles quem por elas responde. Mas, no caso das entidades ligadas à Igreja, são uma obra conjunta do Povo de Deus ao longo de muitas gerações. Com muito trabalho voluntário, com muita dedicação colectiva desde paroquianos anónimos até aos sacerdotes e bispos que ao longo dos anos foram tendo intervenção nas instituições. E, portanto, há um dever acrescido de transparência, de disponibilização pública permanente de todos os dados que não violem a privacidade de pessoas individuais. Mais uma vez: não por desconfiança, mas porque relativamente àquilo que é uma obra comum devem ser dadas as condições para que todos possam ajudar. Se o Vaticano divulga publicamente as suas contas, por maioria de razão os dados relevantes dos centros sociais, das paróquias e das dioceses deverão também ser totalmente públicos. Porque são de todos nós.
Um exemplo muito concreto: qual o custo por utente nas valências de cheche ou pré-escolar de cada IPSS? Qual o valor médio dos pagamentos por parte dos pais? Como comparam estes valores com os de outras IPSS? Qual a comparticipação do Estado que seria necessária para haver equilíbrio económico? Sem estes dados, como podem os cidadãos ou os partidos políticos fazer propostas devidamente quantificadas, exigir ao Estado que cumpra com o seu dever, seja proporcionando ele próprio os serviços, seja apoiando as instituições que colmatam as suas lacunas?
Estas reflexões, até pela mobilidade das pessoas, dizem respeito a toda a Igreja e a todo o território. Já houve casos de IPSS em que valências foram fechadas e teria sido muitíssimo adequado que informação mais detalhada tivesse vindo a público antes de a situação se ter tornado irreversível. Não por causa das instituições em si, que são apenas ferramentas para servir os utentes, mas precisamente por causa destes que ficam sem apoio e não encontram alternativas no Estado. Talvez se justifique encerrar valências, porque a sustentabilidade económica é um requisito indispensável. Mas estes processos não têm corrido bem pelo menos no aspecto de que não promoveram a participação colectiva em tempo útil, nem que fosse para confirmar a sensatez do encerramento e encontrar com antecedência alternativas adequadas aos utentes.
Promova-se a participação construtiva dos cidadãos, e será mais fácil todos beneficiarmos da competência colectiva assim conseguida.