
Faleceu Hans Küng (1928-2021). Controverso, por vezes heterodoxo, criticável em muitos aspetos, nem por isso deixou de ser um dos grandes teólogos dos tempos recentes. Entre outras, escreveu uma trilogia sobre judaísmo, cristianismo e islão à base dos seus «paradigmas» históricos.
Entende-se por paradigma uma distintiva perceção, assimilada pelo comum das pessoas, uma elaboração conceptual de valores e circunstâncias que, numa época, identifica uma realidade. No caso concreto do cristianismo, fala em seis.
O primeiro seria o judaico-apocalíptico, típico dos tempos apostólicos. Esperava a chegada, quase iminente, do «reino de Deus» e preparava-se para isso com a máxima ascese. Predominava o martírio e o «desprezo» do mundo.
Com a difusão do Evangelho, advém o ecuménico-helenístico. As várias «Igrejas» organizam-se sem perder o sentido da unidade, a fé é dita segundo as grandes perspetivas culturais vigentes e a identidade cristã exprime-se no estilo de vida moral.
Com a paz constantiniana e a acuidade do pensamento de Santo Agostinho, instaura-se o paradigma romano-católico que vigora em toda a época medieval. A doutrina inspira tudo e gera uma coesão quase «palpável». Predominam o clero e os religiosos, seguidores dos «conselhos evangélicos».
O Renascimento, com o individual em detrimento do coletivo, abre brechas e favorece o evangélico-protestante. Responde-lhe Trento, mas sem reconquistar a unidade. Valoriza-se a sumptuosidade e a arte.
O Iluminismo levou este paradigma ao extremo e construiu-se um outro: o da modernidade, caraterizado pela memória (catequese) e pela ordem (organização e autoridade).
Atualmente, predomina o pós-moderno, com o seu subjetivismo: uma certa espiritualidade sem laços de pertença religiosa e até sem se reconhecer numa determinada confissão.
Muito haveria a dizer sobre isto. Porém, uma ideia é clara: pensar que os problemas de um tempo se resolvem voltando ao momento anterior é pura ficção. Para resolver a atual crise de indiferença e agnosticismo basta regressar à fase anterior? Se assim fosse…
A história é imparável. Como tal, somos e seremos confrontados com a novidade incessante. É com esta que nos temos de haver. Nós e o Espírito Santo. Até porque Jesus já o anunciou há muito: “Muitas coisas, não as podereis compreender por agora. Mas o Espírito da verdade guiar-vos-á para a verdade total” (Jo 16, 12-13). Verdade que se relaciona com a história.
Ninguém se esqueça disso! O caminho está para a frente.
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