
A propósito da decisão do Papa Francisco de instituir o Ministério de Catequista, Isabel Oliveira, diretora do Secretariado Diocesano da Educação Cristã refere em entrevista que este é “mais um passo na concretização do Concílio Vaticano II, relativamente aos ministérios laicais assumidos numa Igreja ministerial, numa Igreja que se quer missionária e sinodal”.
Entrevista conduzida por Rui Saraiva
1) O Papa Francisco instituiu o Ministério de Catequista no passado dia 10 de maio. Como reagiu a esta decisão do Santo Padre?
A Carta Apostólica, sob a forma de ‘Motu Proprio Antiquum Ministerium’, embora fosse um documento anunciado e esperado, chegou-me como um sinal do Espírito para a nossa Igreja, confiante nestes tempos conturbados. Acolhi-o com alegria e expetativa, como valorização do processo de iniciação cristã, como o reconhecimento da missão assumida por muitos catequistas “competentes e perseverantes”, assim os qualifica o Papa Francisco. Encaramo-lo como um desafio que ajudará a responder às exigências de renovação que a pastoral profética requere.
Entendo-o como mais um passo na concretização do Concílio Vaticano II, relativamente aos ministérios laicais assumidos numa Igreja ministerial, numa Igreja que se quer missionária e sinodal. Claro que não será um processo fácil, traz consigo muitas interrogações e desafios de ordem pastoral e não só.
2) Que significado poderá vir a ter este documento papal no trabalho da catequese na diocese do Porto?
A implementação do ministério do catequista vem confirmar e potenciar o caminho de renovação que tem vindo a ser feito no âmbito da missão catequética e reforça a comunhão eclesial, sabendo que o primeiro catequista da diocese é o bispo. Neste sentido, as orientações vindas da Conferência Episcopal serão adaptadas à nossa realidade.
Será uma oportunidade para que as comunidades assumam, mais conscientemente, a missão de iniciarem e alimentarem a vida na fé e gerarem catequistas “evangelizadores com espírito”, como refere a Evangelii Gaudium do número 259 ao 283. Catequistas missionários capazes de acompanhar a caminhada de fé, desde o primeiro anúncio à formação permanente de um ser humano, que vive profundas transformações.
Penso que nos motiva a dedicar mais meios ao estudo dos documentos do magistério relativos à catequese e a procurar processos e ferramentas que sejam facilitadores da passagem de uma catequese orientada, essencialmente, para a preparação dos sacramentos a uma catequese que «inicie à vida na fé». Uma vida alimentada pelos sacramentos, pela vida em comunidade e voltada para um processo de permanente conversão e orientada para a missão.
Esta decisão supõe a elaboração de critérios normativos que permitam discernir os candidatos ao ministério de acordo com a Carta Apostólica. Terão de ser refletidos com muita clarividência para evitar qualquer forma de clericalização desta missão.
A formação de formadores será um ponto essencial a ter em conta e exigirá vários meios. A catequética tem a sua particularidade, o que supõe formadores capazes de implementar processos formativos querigmáticos que ajudem os catequistas a revisitarem a sua caminhada de iniciação cristã ou, porventura, a viver um processo de reiniciação. De facto, vivemos um tempo de crise dos processos de transmissão e de iniciação. Quem não foi iniciado não está habilitado para acompanhar a iniciação do irmão. Como refere a primeira carta de S. João «o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram (1 Jo 1,1)» isso vos comunicamos.
Na Diocese do Porto, cuja iniciação cristã é a preocupação central do Plano Pastoral, a proposta do Papa Francisco chega-nos como uma confirmação desta intuição e uma tarefa que ajudará a concretizar os objetivos …
3) O Papa escreve no seu Motu Proprio que o catequista tem “uma missão insubstituível na transmissão e no aprofundamento da fé”. Como tem sido a sua experiência ao longo destes anos?
Ao longo destes anos, tendo acolhido o chamamento e dedicado a minha vida à missão da proposta, da transmissão e do aprofundamento da fé, vivo simultaneamente quatro experiências que têm transformado a minha existência.
Faço a experiência, permanente, de conversão pessoal, pois esta missão faz-se de joelhos e humildemente. Tento que seja o Espírito a orientar e a impulsionar a vida. Bem sabemos que um cristão aspira ao ideal de Paulo: «é Cristo que vive em mim». Deveras, é um trabalho humano e espiritual exigente, mas feliz. Sinto-me bem pequena perante o alcance da missão que me foi confiada. Não tenho palavras para o expressar.
Vivo também a experiência de conversão do olhar, do pensar e do sentir. De facto, estando perante uma mudança epocal é impossível não acordar cada manhã a suplicar: ajuda-me a ver a realidade e a compreender os irmãos, esta humanidade em transformação onde Deus procura revelar-se e se diz.
Acolho a experiência de procurar a conversão do meu pensamento teológico, catequético e antropológico. Trata-se não só de acolher as orientações do Magistério, mas de procurar processos e ferramentas que permitam que essas mesmas orientações tomem corpo e sejam vida nova. Propósito complexo, pois, quem está assegurado do caminho a trilhar? O Nosso tempo, tecido de complexidade, exige mudanças a vários níveis, nomeadamente uma conversão das comunidades, uma conversão Pastoral e renovação das mentalidades.
Procuro, permanentemente, a conversão missionária da missão. Com a equipa de secretariado nunca repetimos duas vezes a mesma formação do ponto de vista da linguagem e da metodologia. Cada itinerário formativo implementado é objeto de avaliação. Embora o conteúdo seja sempre o mesmo o ato de comunicação e o acompanhamento da conversão de vida e missão dos catequistas está em permanente renovação e adaptação. É complexo manter o equilíbrio para que a formação seja obra do Espírito, fiel a Deus e à Igreja e fiel a uma humanidade em mutação.
Termino, reafirmando, com toda a força do meu ser, que ser catequista, é a mais bela, nobre e exigente missão que se pode receber. Uma missão que me faz sentir profundamente humilde e ao mesmo tempo profundamente habitada e amada por um Deus que me procura para que, através da Igreja e na Igreja, eu seja a sua voz, a sua palavra, o seu abraço e o seu olhar de Pai para os irmãos que têm sede de um encontro com Ele.
4) Qual o espaço que deve caber à família no âmbito do desenvolvimento das atividades da catequese?
A crise que se vive na família, nomeadamente a crise educativa e de transmissão da fé, entre outras, recordou-nos que a família «como Igreja doméstica, é ventre materno da iniciação cristã e da sua gestação permanente», como refere o nosso Plano Pastoral. De facto, a família é uma das preocupações centrais, quer na nossa Diocese, quer para a Conferência Episcopal, quer no Diretório para a Catequese e não só. Por isso, a catequese tem de ser repensada com a família, na comunidade. Neste momento, a Comissão Episcopal para a Iniciação Cristã e Doutrina da Fé está a preparar um novo “itinerário de iniciação à vida Cristã, com as famílias, com as crianças e com os adolescentes”. O título do documento é elucidativo. Neste momento, na Diocese do Porto existem muitas e variadas experiências em ordem a acompanhar a missão das famílias de forma a serem o “lugar natural da iniciação cristã”.
5) Neste tempo de pandemia o SDEC tem estado muito ativo. Que trabalho tem sido desenvolvido?
Confrontados com as alterações na vida quotidiana imposta pela pandemia, a catequese teve de reinventar-se nas suas linguagens, nos seus métodos e nos meios de comunicação. Realidade que suscitou a reorganização da equipa do Secretariado Diocesano da Educação Cristã (SDEC) a nível estrutural e metodológico. Foi criada uma equipa de comunicação que disponibilizou a formação «Catequista, testemunha ao serviço de uma experiência de fé na web». Através dela ajudou-se os catequistas a utilizarem as ferramentas digitais tais como o Zoom, Telegram, Kahoot, Mentimeter… a elaborarem materiais gráficos e a saberem orientar um encontro de catequese, no espaço digital. Formação online que teve início em setembro e terminará em junho, e a partir da qual foram criadas redes de partilha de testemunhos e de materiais entre catequistas na web.
As limitações geradas pela pandemia foram uma oportunidade para descobrir novas formas de utilizar a web como um espaço para alimentar os laços e revelou-se também um facilitador da comunhão e interação entre a família, a comunidade e a catequese.
Para além de disponibilizar outras formações online, nomeadamente destinadas à catequese da adolescência, foi dada prioridade à formação de formadores. Neste sentido a equipa participou em várias iniciativas, nomeadamente na proposta oferecida pelo Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC), em ordem à implementação da formação Ser Catequista, que substitui o antigo curso de iniciação. É de salientar ainda a formação que se organizou e realizou a nível dos secretariados das Dioceses do Norte sobre a «catequese de adultos» e a catequese familiar.
Através da nossa revista e de vários materiais está a ser proporcionado um itinerário de descoberta do Novo Diretório. Este sugere pistas de reflexão e experiências para que as suas orientações sejam concretizadas na nossa catequese.
Uma outra preocupação, enquadrada no Plano Pastoral, refere-se ao tema da família. Disponibilizamos, na revista e nas redes sociais, reflexões e propostas destinadas à catequese e às famílias, tendo como documentos de referência o Plano Pastoral, Diretório, Amoris Laetitia e a Laudato Si.
6) Quais as suas expectativas em relação à JMJ 2023? Que caminho de preparação deverá ser desenvolvido até lá também com o apoio dos catequistas?
Em 2019 acolhemos o «projeto Say Yes» do SNEC. Desde essa data estamos a apoiar, sistematicamente, os catequistas que o implementaram. O mesmo, integra a preparação para as JMJ no itinerário de iniciação cristã da CEP. Com a aproximação das Jornadas iremos, em colaboração com o Comité Organizador Diocesano, integrar neste processo as propostas diocesanas e colaborar, na medida do possível, na implicação dos adolescentes na preparação e participação nas Jornadas. Neste momento ainda não é possível avançar com mais informações, pois aguardamos diretrizes e o Plano Pastoral.