Um mosteiro com o nome de Maria

“Santa Maria, Mãe de Deus…”

Anos atrás, minha amiga Beatriz falara-me, com muito entusiasmo, da chanfana da sua terra, uma vila de que eu só conhecia o nome por ter sido nela que o Padre Américo criou, em 1940, a primeira ‘Casa do Gaiato’.

Por João Alves Dias

Há dias, fui de alongada até às margens do rio Dueça ou Corvo e ‘visitei’ o Museu da Chanfana, obra da Fundação ADFP, “uma IPSS que apoia crianças, jovens, pessoas com deficiência ou doença mental crónica…”.

Fiquei, então, a saber que esse prato tradicional ligado à vida agro-pastoril se deverá ao mosteiro de Santa Maria de Semide.

Surpreendido, pois nunca ouvira falar de tal mosteiro, parti à sua procura. E encontrei um edifício de linhas simples mas grandioso. Por gentileza dum funcionário da CEARTE, escola de formação profissional, que, com um lar de jovens da Cáritas, ocupa a ala já recuperada, pude visitar os seus claustros.

Fundado em 1154 para monges beneditinos, logo, em 1183, se converteu num convento de freiras. Conta-se que “a grande quantidade de cabras que a carta de couto obrigava os couteiros a fornecer anualmente para a manutenção das monjas, aliada ao facto dos pastores escolherem para pagamento desse tributo as cabras mais velhas, já sem préstimo criador, obrigou as monjas a encontrar uma forma de amaciar a carne dura dos animais velhos, o que conseguiam graças à assadura em vinho tinto que nesses tempos o mosteiro também produzia”. Nasceu, assim, a saborosa e suculenta chanfana, típica daquelas terras.

A história do mosteiro de Semide ficou marcada pelo incêndio de grande amplitude, em 1664, que obrigou à sua renovação, só parcialmente concluída. Exemplo desta situação é o claustro superior, com apenas duas alas.

“Do convento primitivo parece não ter subsistido qualquer elemento, e a construção mais antiga que se conhece é o claustro inferior, do ano 1540, com cinco vãos de arcos semicirculares, suportados por colunas toscanas, e com arcos-capelas que originalmente continham retábulos”.

Em1896, por imposição da legislação liberal, passou para a posse do Estado, após a morte da última freira. E foi a barbárie. Seguiram-se roubos, pilhagens, vandalismos.

Ao longo dos tempos, o mosteiro foi vítima de mil depredações. Em 1964 e 1990, sofreu mais dois incêndios. Pouco restou para além das paredes, mas ainda ficaram pormenores, como a jarra de flores à entrada e o belíssimo painel encontrado no celeiro, que nos revelam a devoção e sensibilidade das suas antigas moradoras.

Salvou-se a igreja que passou a ser, e ainda hoje é, a matriz de Semide.

Terminada em 1697, “é revestida por azulejos seiscentistas de tipo tapete na zona do coro. A capela-mor exibe teto de caixotões com representações da vida de São Bento, e retábulo-mor de talha dourada, com as imagens de São Bento e Santa Escolástica. O órgão de tubos, do séc. XVIII, foi recuperado em 2007”.

No exterior, o elemento de maior destaque é o portal barroco, flanqueado por pilastras e encimado por medalhão com a imagem de São Bento.

Vão longas, e sem fim à vista, as avultadas obras de reabilitação dum edifício de grande volumetria.

Pelo seu mosteiro e não só, Miranda do Corvo merece uma visita, agora que o confinamento se vai mitigando.