Será um dos actos mais significativos da Presidência portuguesa da União Europeia. Pelo menos permitiu que a cidade do Porto e a sua região pudessem ser colocadas no mapa dos eventos significativos. Pode a população congratular-se com, ao menos, a vontade expressa de as entidades máximas da União voltarem os olhos para o maior drama da sociedade: o desenvolvimento harmónico e a atenção aos sectores mais frágeis da sociedade, bem como a atenção às gritantes desigualdades e assimetrias da União, quer entre países, quer sobretudo entre as populações.
Por M. Correia Fernandes
Esta é uma boa oportunidade para revisitar o pensamento de Padre Manuel Antunes, que nos anos 70 do século passado refletia sobre este tema que agora ocupa os governantes, considerando como maior ideal a realizar o bem comum, que propunha em duas dimensões: nas estruturas e instituições que conduzam à dignificação da comunidade, e na vontade de solidariedade que possa unir entre si os membros da comunidade. Entre os elementos constitutivos do primeiro, aponta a qualidade das infraestruturas sociais e no segundo a harmonia entre os grupos, “sem conflitos de morte”, com aproveitamento das competências e capacidades, “sem discriminações de raça, de sexo, de condição, de ideologia ou de religião”. Vale a pena lembrar este aspecto da ausência de discriminação, hoje tão repetido, mas que o jesuíta propunha como orientação social há mais de 50 anos.
Ma importa lembrar também que as linhas de ideal que propunha passavam pelo sentido da universalidade dos ideais, de uma nova ética política, assente na moral e na justiça, propondo uma revolução moral assente no princípio da solidariedade, “sem párias e sem parasitas, sem privilegiados e sem proscritos, sem humilhados e sem disfarçados”, assentando a revolução moral ao mesmo tempo na liberdade e na honestidade. (Reflexões insertas no volume Portugal, a Europa e a globalização, ed. Bertrand, Lisboa, 2017, p. 68 a 85).
O menos que se pode dizer é que estes fundamentais princípios são propostos pela Doutrina Social da Igreja, e bem poderiam servir de linhas de orientação para a realização do espírito desta cimeira social. Nela se apela ao espírito do bem comum, da solidariedade, da colaboração entre as classes sociais e do princípio universal da caridade. Desde a Rerum Novarum (1891) de Leão XIII atá à Laudato Sì (2015) do papa Francisco que estas propostas constituem o cerne da proposta evangélica para qualquer cimeira social de qualquer tempo. Valerá a pena recordar algumas palavras deste último documento, tão apreciado por crentes e não crentes: A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana. (n. 189).
A cimeira social constituiu assim um bom projeto. Importa é que as suas propostas de combate à pobreza, à melhoria das condições de vida de qualquer trabalhador, de uma distribuição de rendimentos que respeite o equilíbrio social, que faça chegar a todos os benefícios da decantada tecnologia, que transforme os privilégios em esquemas orientados para o bem comum – é um apelo que importa fazer aos países e às sociedades mais ricas para o desenvolvimento das mais pobres. Há que enveredar por projetos concretos de desenvolvimento. Não nos podemos deter numa cimeira apenas repleta de boas intenções, sem que aos cidadãos possa chegar a eficácia dos seus resultados. Importa acentuar o registo do Bispo de Santarém, na qualidade de Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social: “O desenvolvimento não é apenas uma palavra de estímulo ou um desejo, mas há consciência que é preciso mudar o registo no que diz respeito à economia, sem ser apenas financeira mas mais social”. Mas este registo deve possuir horizontes mais largos: a Europa tem de promover o desenvolvimento das economias mundiais menos desenvolvidas, para que os cidadãos que procuram uma Europa rica possam encontrar nas suas terras o desenvolvimento e o bem-estar humano que igualmente merecem. Esta tarefa de uma Europa desenvolvida e solidária está esquecida, ao lado do seu próprio desenvolvimento interno harmónico e equilibrado. Transformem-se as mensagens sonantes em ações concretas de justiça e de promoção social dos mais fracos e carenciados. Tarefa nobre que parece tristemente distante.