Mensagem (121): Odisseia

Descansem que não vou falar de Ulisses e da sua «vagabundagem». Muito menos, vou pedir para que se traduzam esses poemas, coligidos por Homero, justo terror de qualquer aluno de grego. Vou, apenas, apelar à reflexão sobre aquilo que me parece constituir uma caraterística do nosso tempo: a mobilidade espácio-cultural.

Depois do Iluminismo, a nossa cultura parece-se com a mentalidade adolescente: do mesmo modo que este é um eterno insatisfeito, também aquela nunca se contenta com o habitual e instaura a revolução ininterrupta. Cansou-se das sublevações de sinal gregário e social –muito mais das referentes à justiça-, fossem as liberais, fosse a bolchevique. Mas ficou-lhe na mente a ideia da mudança constante. Como?

Hoje, a «descentração» parece ser geográfica. As nações, para se afirmarem, apostam nas exorbitantemente caras viagens intergaláxicas, enquanto deixam morrer à fome e à doença uma parte significativa da humanidade. Não fora a pandemia e muitos dos nossos jovens (e não só…) não se importariam de tirar à boca e às condições de dormida o que precisam para pagar o avião low-cost. E circulam constantemente, pondo o turismo em alta. Fala-se muito na adolescência prolongada: também se caracteriza por um eterno viajar pelo mundo das redes sociais, seja qual for a idade real, debicando amizades fictícias e conhecimentos epidérmicos.

Sendo meramente espacial, desistiu-se de fazer a grande e profunda mudança do mundo. Na atualidade, de facto, não são muitos os verdadeiros «revolucionários», os que ousem sujar as mãos na transformação social. De resto, a sociedade secular e secularizada também rejeita ajudas: renega todo o apoio que lhe venha «de fora» de si mesma e nem sequer coloca a hipótese de se comprometer com os outros. Acha que está tudo bem. E se não está, que cada um se arranje…

Este é o tempo da fruição individual. Se a preocupação reside no «eu» privado, logicamente, no coração de quem assim vive, não têm lugar os outros nem os seus sofrimentos. Muito menos a justa transformação do mundo. Tem razão Francis Fukuyama, que chama a atenção para o que se convencionou designar por «fim da história»: a hodierna democracia liberalista, meramente formal, muda as coisas do mundo, mas não munda o mundo…

Mudança ou odisseia constante? Sim, se for em direção ao centro de nós mesmos e da sociedade. Este é a única meta que vale a pena ser alcançada.

***