Maria, modelo da Igreja

Foto: João Lopes Cardoso

Foi já há 47 anos que o Papa São Paulo VI publicou a Exortação Apostólica Marialis Cultus (2 de fevereiro de 1974), o mais importante documento do Magistério sobre a renovação do culto mariano, após o II Concílio do Vaticano. Guiada por essa bússola, a Igreja fez muito caminho neste quase meio século, tanto no âmbito da Liturgia como no da piedade popular.

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Neste Mês de Maria, parece-nos particularmente oportuno reler as reflexões do grande Pontífice, nomeadamente quando ele apresenta a Virgem Maria como «modelo da Igreja no exercício do culto» (nn. 16-23).

São Paulo VI sintetizava a exemplaridade de Maria no exercício do culto divino em algumas alíneas: Maria é a Virgem que sabe ouvir (MC 17); é a Virgem dada à oração (MC 18); é a Virgem Mãe (MC 19); é a Virgem oferente (MC 20); é mestra de vida espiritual (MC 21). Trata-se de uma excelente «grelha» para avaliar e abalizar as várias propostas de renovação que fizeram e fazem caminho na atualidade eclesial.

Não há celebração litúrgica sem Palavra: Palavra proclamada e Palavra cumprida no Sacramento. A Igreja tem de aprender com Maria a ser ouvinte da Palavra na Sagrada Liturgia: escutar com fé, acolher, proclamar e venerar a Palavra de Deus, distribui-la aos fiéis como pão de vida (DV 21), perscrutar à sua luz os sinais dos tempos e interpretar e viver os acontecimentos da história (cf. MC 17).

Se olharmos para todas as realizações da reforma litúrgica pós-conciliar, teremos de reconhecer que a valorização, quantitativa e qualitativa de todos os Leccionários (da celebração eucarística no ano litúrgico, da Liturgia das Horas, dos vários ritos sacramentais…) é, manifestamente, um dos seus maiores méritos. Passado o tempo da reforma, e assumindo a renovação litúrgica como agenda permanente, a Igreja tem de se colocar na atitude de Santa Maria, sua imagem e modelo, para ser cada vez mais e melhor ouvinte da Palavra. Sem dúvida, temos de nos esforçar mais ainda para que haja bons leitores. Mais difícil, porém, mas ainda mais necessário é formar, educar bons ouvintes. Aliás, só bons ouvintes poderão ser bons leitores. Além disso, teremos de «afinar» o estilo e a arte das nossas celebrações para garantir de forma mais cuidada e eficaz pressupostos da escuta da Palavra como o silêncio e o recolhimento. Em suma: teremos de frequentar com melhor aproveitamento a escola de Santa Maria, «Virgem ouvinte».

A liturgia é «a Igreja em oração». O Papa, nas suas mais recentes catequeses sobre a oração, começou por valorizar a Liturgia. Mas, depois, tem falado de outras modalidades e instâncias de oração pessoal e comunitária. A Liturgia não tem o monopólio da oração, mas, segundo o ensinamento do Concílio, está chamada a ser também «cume e fonte» da oração cristã. Aqui temos de nos questionar: será que nas nossas celebrações há autêntica oração? Não prevalecerá, por vezes, a distração e o entretenimento? Como é que iniciamos as crianças na experiência litúrgica? Com os nossos esforços de «animação», estaremos a aproximá-las ou a afastá-las de uma autêntica experiência orante? Precisamos de nos renovar como orantes, tomando como modelo exemplar a Virgem Maria: na Visitação (Magnificat), em Caná da Galileia, no Cenáculo…

Como Maria, a Igreja é Mãe: nos sacramentos da Iniciação cristã a Igreja prolonga a maternidade virginal de Maria. As nossas celebrações do Batismo precisam de ser cada vez menos um despacho apressado para se tornarem uma festa genuína, uma verdadeira experiência de maternidade. Mas a maternidade da Igreja, tal como a de Maria, não se reduz ao momento do parto… Conhece, antes, o tempo da gestação e os seus incómodos e, depois, não se exime aos cuidados que os filhos gerados requerem, à medida que vão crescendo em idade e graça.

A Eucaristia é, como o nome sugere, oração de louvor, bênção e ação de graças. Mas, segundo a visão católica, esta tónica eulógica e eucarística fica mutilada se lhe falta a dimensão sacrificial. O que está em causa é o Sacrifício único, perfeito e definitivo de Cristo que se torna sacramentalmente presente na celebração do Seu memorial, em obediência ao mandato que o próprio Cristo confiou aos seus discípulos. Como Maria, «Virgem oferente», e seguindo o seu exemplo, a Igreja é chamada a associar-se, a participar de forma real, na oblação do único Sacrifício de Cristo. Assim conhecida, amada e vivida, a celebração Eucarística dominical tornar-se-á o grande momento em que, no ritmo semanal, a Igreja se alimenta e se renova na celebração da Páscoa do seu Senhor. E fá-lo «com Maria».