O trabalho no centro da questão social

Quando se inicia o mês de Maio, vem ao de cima a questão do trabalho. Foi neste mês que se publicaram as encíclicas sociais mais importantes. É por esta ocasião que os militantes católicos fazem ouvir a sua voz, numa toada que persiste, apesar da crise que a acção católica está a passar.

Por Jorge Teixeira da Cunha 

Dirigindo-se à Acção Católica Italiana, no passado dia 30 de Abril, dizia o Papa Francisco: “O Senhor falava e eles partiam. Recordar que a acção pertence ao Senhor permite não perder de vista que é o Espírito a fonte da missão: a sua presença é causa – e não efeito – da missão”. Estas palavras são muito importantes para confortar os militantes que persistem em se manter na linha da frente da inovação social e da luta pelo melhoramento das instituições, sobretudo as do mundo laboral.

A pandemia está a ocasionar mudanças no mundo do trabalho e a pôr em causa algumas formas da nossa vida associada. A crise resultante da pandemia trará instabilidade do emprego. Mas poderá também trazer alguma evolução positiva. Propomos duas reflexões sobre o futuro do trabalho, tal como ele parece perspectivar-se à luz da doutrina social da Igreja.

A primeira refere-se à tendência e à necessidade de colocar a pessoa trabalhadora no centro de todo o processo produtivo. O ser humano é o centro de toda a actividade económica. São as necessidades humanas que movem à sua satisfação, antes de todos os outros significados da vida económica. Porém, as condições modernas complexificaram-se e nem sempre vemos esta centralidade. Isso é especialmente verdade a respeito do trabalho. É comum ouvirmos falar de força de trabalho, de mão-de-obra, na linguagem comum. E não damos conta que essa linguagem mostra como o ser humano deixou de ser o centro. Não podemos olhar o ser humano apenas como força de trabalho quantificável e anónima. Isso é uma inversão de valores. O centro da realidade é o ser humano, com a sua originalidade, a sua criatividade, o seu esforço para se realizar, para transformar o mundo e para ganhar a sua vida. Esta última expressão é muito importante: o trabalho é a forma originária de o ser humano manifestar e acrescentar a sua vida pessoal. Por isso, um regime económico que assentasse em valores funcionais e deixasse na margem o ser humano seria indefensável à luz moral económica cristã. Será que a pandemia, incrementando o tele-trabalho, dando mais liberdade de horários, vai no sentido de dar mais autonomia e liberdade às pessoas? Será que vais inovar as formas de associação empresarial para ir nesse sentido? Se assim fosse seria ir na direcção correcta. Se, pelo contrário, o tele-trabalho levar as pessoas a serem mais dependentes de mecanismos distantes, frios e impessoais, de corrigir o sentido da evolução.

Uma segunda observação refere-se ao velho tema do salário justo. Sabos como a moral cristã sempre tratou este assunto, desde a Idade Média. Uma coisa tem sido notada nos últimos tempos, que é objecto de muita controvérsia. Trata-se de verificar como o produto do trabalho tem sido cada vez mais direcionado para pagar factores de produção em vez de pagar o trabalho. Ou seja, o capital estaria a ser mais remunerado que o trabalho. A ser verdade, isso seria uma evolução moralmente inaceitável. Está fora de causa que é necessário investir na inovação, no custo do crédito, na tecnologia. Mas, não se pode esquecer que o valor vem do trabalho do ser humano e não dos outros aspectos. Aqui entra aquilo que a doutrina social da Igreja chama o “dador indirecto de trabalho”, do qual faz parte o próprio Estado com a sua pesada estrutura. Em tudo isto é necessário dizer que, moralmente falando, o primeiro a ser remunerado deve ser o ser humano trabalhador e não os outros factores. Esta é uma reivindicação de grande amplitude, mas que, a nosso ver, constitui a meta mais importante para a reforma da questão laboral no futuro.

Com quer que seja, o trabalho continua a ser o centro da questão social. Bem hajam os cristãos militantes, homens e mulheres, que se mantêm no seu posto de observação de tudo o que se passa neste importante aspecto da vida de todos.