Como somos? Quantos somos?

“O desenvolvimento é o novo nome da paz.”

Paulo VI

Portugal fez questão de ser o primeiro a entregar em Bruxelas o Plano de Recuperação e Resiliência. Talvez com isso consigamos receber mais cedo os muitos milhões da Europa que nos estão prometidos.

Por Ernesto Campos

O Plano desenha o crescimento do país ao longo de dez anos baseando-se em dois eixos de medidas, a descarbonização e a digitalização. Os especialistas destas coisas põem algumas reservas e reduzem aqueles palavrões a coisas mais corriqueiras: descarbonização é ferrovia, e digitalização é burocracia. Por outras palavras trata-se não só de proteger o ambiente da poluição, mas de usar o transporte ferroviário, que é mais barato e tem sido esquecido; e quanto à digitalização, pode trazer mais burocracia e iliteracia informática do que benefício, dizem os críticos.

Tudo isso numa lógica de iniciativas do Estado mais do que empreendimentos empresariais. Ora o desenvolvimento faz-se com e para sociedade civil, os corpos intermédios e as pessoas que a constituem. Quando se construiu a Ponte de Arrábida (1963), um enorme progresso que a propaganda política da época punha dos cornos da lua, o Bispo do Porto de então, D. António Ferreira Gomes, fez uma pergunta irritante – e as pessoas que passam por ela? . As coisas parece que não mudaram muito, em termos de propaganda política e quanto ao modelo conceptual que enforma o Plano de Recuperação e Resiliência, pensado num gabinete, quiçá numa biblioteca, num registo tecnocrático, cujos ingredientes são  dinheiro e  Estado, distanciados da realidade social, isto é, de como somos.

A antropologia ensina que desenvolvimento é “passagem de uma população de uma fase menos humana para uma fase mais humana” (Lebret). Fase menos humana é a de quem, nessa população, vive abaixo do limiar da pobreza, de quem não tem casa para morar, de quem sente na pele a desigual distribuição da riqueza, do idoso sozinho e esquecido, ,pessoas  excluídas  e marginalizadas, feridas, por isso, na sua dignidade. A fase mais humana será a de um bem estar que não se mede só pela bitola económicista, mas por critérios de equitativa política social de distribuição dos bens atinentes às múltiplas dimensões da pessoa. O fundamento moral de todo o agir político é criar condições para um desenvolvimento humano integral.

Daqui a 10 anos teremos mais comboios e mais computadores, teremos mais despoluída a atmosfera que respiramos e mais facilitada (ou não) a comunicação por via digital. Inestimáveis bens, sem dúvida; mas, e as pessoas agora? Em vez do leit-motif  do Plano de Recuperação e Resiliência, esperaríamos a verdadeira recuperação dos valores humanos como  critério motivador da ação política. E não se trata aqui de vago enternecimento pelos males sofridos por tantas pessoas; trata-se de firme determinação, de empenhamento na construção do bem comum, ou seja, do bem de todos, porque todos somos responsáveis por todos. Esperaríamos, outrossim, medidas concretas de resiliência (resistência) à tentação de negociatas políticas e clientelares,  perversões que ferem os princípios da moral, corrompem o funcionamento do Estado e geram crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes.

O censo de 2021 registará como somos sob certos   aspetos da nossa qualidade de vida. Serão dados, esses sim, preciosos para definir em quantidade e qualidade o que há a fazer quanto ao desenvolvimento do todo e  de  todos. Aqui e agora.