Clero culto e dialogante

Lídia Jorge, escritora das mais conceituadas, lançou um alerta que vem sendo sentido em todas as nossas comunidades cristãs, por isso todos deveremos estar gratos. Na sua intervenção colaborativa, na conferência Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, referindo-se aos “padres”, penso que queria dizer bispos, presbíteros e diáconos, disse que vários “padres” são ignorantes em relação às criações elementares, num mundo constantemente em mutação, sobre a arte e a cultura. Por isso, existe, também, um divórcio, entre as populações e a Igreja. Enquanto o Universo vai tecendo paradigmas novos, a Igreja mantém os mesmos discursos e gramática de há muitos longos anos, ou seja, a Tradição – enganei-me é com t pequeno-, ganha foros de superação ao Todo. A Razão continua a ser desprezada. Isso, realmente, vem da falta de cultura e diálogo que o clero possui – não esqueço que faço parte do clero -, de linguagens que não compreendem o pulsar do Povo de Deus. Deus esteve sempre na História, mas os seus sinais não são compreendidos por aqueles que deviam compreender.

A perspetiva de Lídia Jorge não é contra ninguém, mas o cultivo das primeiras comunidades cristãs, os ensinamentos de Jesus. A cultura a que refere é a dos costumes e das práticas culturais, das atitudes e a da afetividade, dos saberes cognitivos, psicomotores, éticos e morais, dos valores intelectuais, da música e dos cantares e da espiritualidade, de uma igreja que (re)leia consistentemente, através do diálogo, os modos da sua pastoral. A cultura desenvolve a espiritualidade e acompanha o (re)nascimento das pessoas.

O que Lídia Jorge refere é que a cultura não coexiste com homilias desenraizadas dos valores do Evangelho, dos valores das populações, e, isso, quer dizer “estar fora do tempo”, como se a vida de hoje fosse igual à de ontem. Sendo um momento importante – diz -, a homilia peca pela inexistência da história da vida das pessoas, das “coisas dos nossos tempos” e – digo -, é fácil encontrá-las na Palavra de Deus. Mais refere, que a Igreja, tem lançado “uma espécie de cortina perante os vários espaços culturais, não os faz seus, não os interioriza, pode assistir a uma ou outra coisa, ser amiga de uma ou outra pessoa, mas não os transforma naquilo que é a sua pregação”.

É muito bom para nós – que pertencemos ao clero -, ouvir destas coisas que nos desagradam, como é óbvio, mas deve alegrar-nos que o Espírito do Senhor, fala hoje, onde quer e por quem quer. Obrigado, Lídia Jorge!

NOTA: em todo o texto quando refiro a palavra “padre”, significa “bispos, presbíteros e diáconos”.