Uma imagem inspiradora: o Bom Pastor

O domingo 25 de abril, além de dia (este ano esquecido) de S. Marcos, e em Portugal memória da revolta que conduziu ao estabelecimento das instituições democráticas, girou na sua temática litúrgica em torno do Bom Pastor, como é comum aos três esquemas celebrativos do quarto domingo da Páscoa, o cap. 10.º do evangelho de S. João. Por isso também se lhe associou o tema das vocações na Igreja (em nosso entender, não apenas a vocações religiosas, mas igualmente as vocações laicais). Que também são Vocação.

Por M. Correia Fernandes

A figura do Bom Pastor nasce da prática tradicional dos povos orientais, em que a pastorícia era especial fonte de sobrevivência. Possui por isso uma forte carga ecológica, uma ligação à natureza e pode ler-se também na perspectiva das inquietações hodiernas do equilíbrio do planeta.

Importa reconhecer que, como assinala J. Ratzinger na obra “Jesus de Nazaré”, que a imagem do pastor figura em toda a literatura oriental como modelo de condução do povo. No Antigo testamento o pastor é o próprio Javé, pastor do seu povo, como todos reconhecemos do extraordinário poema universal que é “O Senhor é meu pastor”, cujo sentido contém, a um tempo, uma forte carga imagética, humanística e espiritual.

Na parábola de Jesus no Evangelho de S. João, uma das mais relevantes afirmações situa-se na relação entre o “conheço as minhas ovelhas” e o “elas conhecem-me”. Este sentido de reciprocidade entre o pastor que conduz e orienta, e as ovelhas que ouvem e assumem a responsabilidade de o conhecer e de o seguir traduz um dado essencial, sobretudo se tivermos em conta o sentido bíblico do “conhecer”, que exprime uma identificação total entre o sujeito e o seu objeto, o conhecer e o ser conhecido. O sentido pleno da parábola assenta sobretudo nesta proposta da reciprocidade, o que traduz um apelo à resposta decidida a essa proposta  de conhecimento.

Igualmente significativa é a menção de “outras ovelhas” que o pastor quer igualmente procurar, encontrar e introduzir no rebanho. Esta é uma dimensão da universalidade: o que o Messias procura não é apenas um grupo, ainda que escolhido, mas uma dimensão universal, porque todos são chamados e escolhidos. A sua tarefa de pastor é de chamar pelo nome e conduzir toda a humanidade.

Esta dimensão salvífica, lida na nossa história humana, encontra muitos e tristes escolhos, muitas distrações, muitos e desgraçados afastamentos. Mesmo aqueles, afastamentos ou rejeições, que surgem do entendimento mais profundo do espírito humano: os sábios, os investigadores, os que gerem os cordéis das civilizações, com as mais nobres intenções, quantas vezes circulam por caminhos centrados apenas nos esquemas das suas invenções ou entendimentos.

O mais trágico é que a ação humana se tenha centrado na força, na violência e no domínio: é todo o contrário da imagem do pastor; ela assenta na simplicidade, no encontro, na presença.

A imagem bucólica e campestre do Bom pastor constitui assim uma proposta de procura e de ambiente de paz. Contradiz toda a violência e toda a ambição. Encontra o seu sentido pleno na mensagem da ressurreição pascal: “A paz esteja convosco”.

A imagem e a parábola do Bom Pastor constitui por isso um paradigma de caminhos para a humanidade de hoje: o da natureza e da simplicidade, o do serviço e da procura, o do encontro e da edificação, o da redenção e da festa.

E mais que tudo, o sentido de que o mundo que nasce do Evangelho é de paz e reconciliação, é de entendimento e de esperança, é o da convivência fraterna que Jesus veio de novo propor. Retenha-se a mensagem de J. Ratzinger: “O Pastor que sai à procura da ovelha perdida é o próprio Verbo eterno, e a ovelha que ele põe aos ombros e amorosamente traz para casa, é a humanidade, é a natureza humana que Ele assumiu. Na encarnação traz para casa a ovelha tresmalhada –a humanidade – , traz-me também a mim”. (Jesus de Nazaré, 2003).

Quanto espaços e  tempos  teremos que percorrer para que possa ser alcançado?