
Por Joaquim Armindo
“O pão que sobra à riqueza/distribuído pela razão/matava a fome à pobreza/ e ainda sobrava pão”, cantava o cantor José Afonso, os versos escritos pelo poeta António Aleixo, cauteleiro – vendia cautelas -, do Algarve, semianalfabeto e que faleceu em 1949. António Aleixo fez de profissão tudo quanto possamos imaginar, emigrou e voltou ao seu Portugal, altura em que faleceu vítima de tuberculose. Doenças, extrema pobreza, mudanças contínuas de emprego, migrações, tragédias familiares, foi quando voltou de França que, novamente, em Loulé, vendia cautelas e servia como pastor de rebanhos. Tem uma obra literária significativa de que eu destaco a quadra que em cima deixo.
Um dia destes um meu leitor telefonou-me contando a seguinte história: foi fazer compras, entre as quais um saco com pão, que levou. Chegado ao “caixa” colocou no tapete as compras efetuadas, mas eis que o empregado notou que o saco de pão – plástico – que se tinha rompido, rapidamente pegou nele e disse que “ia para o lixo”, por estar rompido, levantou-se foi buscar outro saco de pão, porque diz ele [empregado], o que estava esburacado iria para o “lixo”. Intrigado o meu leitor quis saber porque assim procedia, dado tantas pessoas precisarem de pão. Veio o gerente que explicou que o saco de pão não estava em condições e era política da empresa lançá-lo ao lixo. Pão para o lixo não, então eu levo o pão e entrego-o a alguém que precise. Só se o pagar diz o gerente. Não seja por isso, diz o cliente, e pagou 0,99 euros pelo saco de pão que entregou, em seguida, a uma pessoa que dele muito necessitava.
Ali adiante, bem perto de minha casa, existe uma pequena “venda”, também de pão, que tem a sua entrada um cesto cheio de pão, com um cartaz que diz: “Para quem não puder pagar, pegue numa saca de pão e leve”.
O pão sempre foi muito sagrado no meu país, juntamento com a broa, até se diz que numa casa deve sempre existir pão, mesmo de um dia para outro.
Duas atitudes completamente contrárias: uma de um complexo industrial, deveras conhecido, que não tem pejo em colocar pão no lixo, outra de uma pequena lojita que dá pão àqueles que não podem pagar. A multinacional até poderá fazer campanhas de “responsabilidade social”, com a entrega de cabazes, à frente da comunicação social. A pequena loja que não faz publicidade e que dá o pãozinho. Uma deita pão ao lixo, outra dá pão.
Aleixo tinha razão, na sua iletrada vida cantava um verso verdadeiro, é que o pão, todos os bens da Terra, dão para toda a gente e sobra, se distribuídos com razão. Até faz lembrar a “multiplicação dos pães”, uma das estórias que Jesus contou!