Um exame moral ao nosso Estado

Um recente processo a um antigo primeiro ministro de Portugal veio mostrar a necessidade de um exame à moralidade do funcionamento da nossa comunidade política. Para lá da sentença que venha a ser pronunciada, ocorre um juízo moral sobre diversas matérias que estão em jogo.

Por Jorge Teixeira da Cunha 

O primeiro que parece oportuno dizer é que a única maneira de moralizar o Estado é estruturar os seus serviços na base do princípio de subsidiariedade. Este caminho torna-se particularmente urgente nas actuais circunstâncias da nossa vida comum. O que acontece é que metade do produto de países como o nosso é administrado pelo Estado. A segurança social, a educação, a saúde, as principais infra-estruturas são áreas administradas pelos políticos que elegemos. Ora isso coloca sob o arbítrio de poucos uma quantidade recursos que, facilmente, coloca os bens do estado ao serviço de grupos de pressão e leva à tentação dos políticos se deixarem corromper. Se a subsidiariedade é sempre uma exigência para o funcionamento do Estado, nas actuais circunstâncias, a urgência é muito maior. Este princípio diz que se devem repartir as competências, privilegiando quem está mais perto das situações, de forma que nunca a competência de uma instituição menor seja indevidamente absorvida por uma instituição maior. O que pode ser feito por uma autarquia, ou por uma região, não deve ser feito pelo Estado central. Deste modo, a malha fica mais apertada, há mais controlo recíproco e menos tendência e menos meios para a corrupção. Houve um tempo em que se disse que a centralização era benéfica para a imparcialidade, mas essa regra não se verifica nas condições de complexidade da vida política que vivemos. As nossas sociedades garantem, e muito bem, direitos sociais que são muito caros de garantir. Por isso, urge repartir competências para evitar vícios.

A segunda coisa que ocorre dizer é que “nos homens julgam-se os homens e nada mais”, para citar um dito famoso do nosso antigo Bispo D. António Ferreira Gomes. Isto quer dizer que não se pode fazer um político pagar por todo o sistema político em que ele esteve envolvido. Quem comete crimes deve ser jugado e condenado por eles, com humanidade e proporção. Neste caso recente, como noutros, é necessário evitar a tentação de julgar num homem os crimes do regime de que foram titulares. Algumas reacções que se ouviram por estes dias manifestam uma grande irracionalidade. Para os ouvidos da teologia, o clamor das turbas contra o político sob juízo evoca o antigo mecanismo do “bode expiatório” que é uma forma de catarse colectiva e não uma forma de aplicar penas justas. Antes pelo contrário, a violência infligida à vítima é uma forma de outros culpados camuflarem a sua culpa. Por isso, a justiça não pode ser feita na rua nem sob os holofotes da comunicação social.

Este contexto mediático leva-nos a uma terceira observação. De facto, a mediatização da vida que se tem verificado cada vez mais condiciona os comportamentos das pessoas, nomeadamente os comportamentos morais. Os media e as redes sociais transferem para a zona irracional da personalidade as formas de julgamento moral. A norma moral deixa de ser uma pauta abstrata e mesurada para se transferir para o terreno da reacção emotiva, sem qualquer controlo da racionalidade. É aqui que radica a actual tendência para banir pessoas com opinião diferente, para julgar o passado sem ter o seu contexto valorativo, para obter ganhos com processos de vitimização e assim por diante. Urge um reforço do pensamento moral que é coisa ninguém parece querer na educação ministrada nas escolas, nem na regra de funcionamento da nossa vida civil. Neste ponto, há muito a fazer pelas comunidades cristãs e pelas escolas que a Igreja promove. O futuro de uma comunidade política justa e democrática depende muito da qualidade moral das pessoas que estamos a formar.