A fração do pão – um rito principal (2)

A Eucaristia, sacramento da unidade e da caridade (Santo Agostinho), tem no rito da fração um significante indeclinável, de simbolismo primordial. Parte-se para se repartir. E os fragmentos, verdadeiramente, só se reúnem (etimologia da palavra símbolo) na comunhão quando, ao receber cada qual a sua parte, todos se reconhecem, acolhem e integram no Corpo padecente e glorioso de Cristo Senhor!

Por Secretariado Diocesano da Liturgia 

Eis porque só pode haver «uma» comunhão, independentemente do número dos comungantes. Eis porque a comunhão só termina com a recomposição do Pão partido na unidade sacramental dos poucos ou muitos que comem do mesmo Pão da Vida para formar um só Corpo em Cristo, pela virtude do Espírito que com esse fim foi invocado na Epiclese.

Eis também a razão pela qual – salvaguardada sempre a essência pública e comunitária da celebração eucarística – a celebração solitária da Eucaristia, sem assembleia congregada e comungante, com a participação de um só ministro ou nem isso sequer, se há de considerar uma exceção – uma anomalia? – que carece sempre de justificação razoável e proporcional. Ora, mesmo nesse caso, para celebrar válida e licitamente, o sacerdote não está dispensado de realizar o rito da fração: a liturgia não lhe permite comer o Pão inteiro! E este rito primordial lhe deverá recordar a evidência que, por rotina, deixou de se ver: parte-se para repartir; a Eucaristia não foi instituída para alimentar devoções individuais – que indubitável e justificadamente alimenta – mas para reunir a Igreja na unidade de um só Corpo. «Ecclesia de Eucharistia»! (S. João Paulo II).

Pela comunhão, os cristãos unem-se a Cristo – pão partido e repartido – e entre si, em Cristo: a Eucaristia significa e realiza a unidade da Igreja, em Cristo. Consequentemente, como insinua a IGMR 321, na perspetiva iluminante da primeira carta aos Coríntios (10, 16-17; 11, 17-23.27-34), o partir do pão, «sinal de caridade», é um forte apelo à partilha de si mesmo e dos seus bens. Releia-se o que diz o Catecismo da Igreja Católica, nos números 1396 e 1397.

Do sacramento para a vida: o corolário ou implicação ética e social do rito da fração é o ideal proposto nos sumários dos Atos dos Apóstolos: «eram um só coração e uma só alma… e ninguém chamava seu ao que lhe pertencia… Entre eles não havia ninguém necessitado… Distribuía-se a cada um conforme a necessidade que tivesse» (At 4, 32.34.35). Tal é a força de participar na Fração do Pão e a exigência que daí deriva para os comungantes: já não podem comer sozinhos o seu pão inteiro! Comem todos de um pão partido, repartido e partilhado! A utopia da Comunhão deixa de ser utópica: desce do céu à terra que habitamos e tem na Igreja, «sacramento da unidade» (SC 26; LG 1,9…), o seu sinal e instrumento, antecipação histórica e germe poderoso.

Há uma outra linha da mistagogia do Rito da Fração do Pão que importa não esquecer: é uma profecia gestual da morte do Senhor: o gesto de partir o pão evoca a imolação do Corpo de Cristo na cruz.

Não deixa de ser interessante verificar que esta significação é proposta de modo explícito em muitos dos antigos manuscritos de Lc 22, 19 e 1 Co 11, 24: “partido para vós”, em vez de “entregue por vós” (didómenon). Em não poucas anáforas antigas, o mesmo sentido é, também, explicitado com a mesma expressão. A variante, no contexto, embora não traga um sentido novo, reforça o sentido latente e testemunha uma antiga interpretação do rito: consagração-fração como símbolo da morte violenta e sacrificial de Cristo.

Convergem neste sentido muitos dos cânticos que acompanham a Fração, em diversas liturgias, pela sua alusão inequívoca ao sentido sacrificial da Eucaristia, expresso simbolicamente na Fração do Pão: imolação do Senhor como Cordeiro da Páscoa cristã. Na liturgia romana, desde os tempos do Papa Sérgio I (687-701), canta-se o «Cordeiro de Deus» durante a Fração: gesto e canto são complementares e convergentes. As liturgias hispânica e ambrosiana usam peças variáveis a que chamam, respetivamente: «Cantus ad confractionem» e «Confractorium». A Liturgia romana, reformada por determinação conciliar, conservou o canto do «Agnus Dei» como canto próprio da fração, recolhendo, assim, este significado e restaurando a sua antiga função. Como canto que acompanha um rito (IGMR 37), deve durar o tempo que dura o rito, podendo, por isso, repetir-se a invocação as vezes necessárias (IGMR 83).

As Liturgias hispânica e Galicana sublinham esta significação sacrificial dispondo os fragmentos partidos em forma de cruz. O mesmo manda a Divina Liturgia dos nossos irmãos de Rito bizantino.