Nos textos bíblicos e eucológicos da Liturgia do Tempo de Páscoa são frequentes as referências ao gesto de Jesus Ressuscitado, pelo qual os discípulos o reconheceram: a fração do pão (Lc 24, 30-31.35; cf. At 2, 42.46; 20,7.11).
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Este gesto, repetido habitualmente pelo pai de família, no início da refeição familiar, era ou tornou-se emblemático da prática convivial de Jesus. Entrou, consequentemente, na liturgia eucarística da Igreja entre os seus ritos mais importantes e significativos. Tenha-se presente que, por metonímia, chegou a designar toda a celebração.
Nos tempos em que a comunhão sacramental se fazia a partir do Corpo do Senhor consagrado na celebração em que se participava e nela partido e repartido a partir de um só pão, o rito tinha uma duração significativa, prolongando-se o canto que o acompanhava e que, desde os tempos de São Sérgio I (papa de 687 a 701), era o «Cordeiro de Deus…». Mas, depois, com a rarefação da comunhão dos fiéis e o uso de pão ázimo, previamente confecionado em partículas individuais, o rito acabou por se tornar muito breve e quase irrelevante, a ponto de atualmente quase não se dar por ele. Até porque, frequentemente, acaba por ser encoberto pelo rito da paz que, por alguns momentos, leva a prestar menos atenção ao que acontece no altar para olhar os irmãos que se saúdam. No contexto atual da pandemia em que, para evitar aproximações e contactos entre os fiéis, o gesto da paz – aliás facultativo – se reduz a um olhar sorridente entre os membros da assembleia, o gesto da fração do pão eucarístico pôde voltar a ser objeto de atenção. E parece oportuno fazer a sua mistagogia.
A Fração do Pão é um dos quatro elementos fundamentais da liturgia eucarística, a saber: Preparação das oferendas (vulgo, Ofertório); Oração Eucarística (oração de ação de graças e consagração); Fração do Pão e Comunhão. Com estes elementos, a Igreja realiza o essencial do mandato de Jesus (IGMR 72). Este rito encontra-se em todas as liturgias cristãs, situado entre a oração eucarística e a comunhão; dão mostras de falta de senso e de saber litúrgico aqueles que, por mera iniciativa pessoal, partem o pão à consagração. Trata-se de um gesto realizado sempre por aquele que preside, como figura do próprio Senhor, porventura ajudado por um diácono ou concelebrante (IGMR 83). Este gesto teve, com certeza, uma finalidade utilitária: partir um só pão ou alguns pães para os repartir por muitos. Note-se, porém, que até essa finalidade prática do rito é rica de simbolismo: parte-se para poder repartir; para permitir que muitos partilhem do mesmo pão para formar um só corpo (cf. 1 Cor 10, 16-17). Numa palavra, a Fração é pressuposta pela Comunhão. A não ser que celebre sem a presença de fiéis, é incongruente que o sacerdote, depois de partir a hóstia consagrada, a coma inteira… Aliás, IGMR 321 recomenda que a hóstia seja partida em várias partes e distribuída «pelo menos a alguns dos fiéis».
A Fração do Pão evoca as refeições do Senhor, especialmente a última Ceia, e dá rosto à nova comunidade, fundada na Sua ressurreição, a qual reconhece assim a presença do seu Senhor e se reconhece a si mesma (cf. Lc 24, 35; At 2, 42). No conjunto da celebração, constitui um rito que pertence ao núcleo sacramental da Eucaristia e não um elemento meramente cerimonial. Na verdade, simboliza a unidade dos comungantes e da própria Igreja e, simultaneamente, é um gesto profético do corpo do Senhor «rompido», «partido» pela morte na cruz.
Sobre o primeiro simbolismo, de origem neotestamentária, a IGMR 83 é clara: «O gesto da fração, praticado por Cristo na última Ceia, e que serviu para designar, nos tempos apostólicos, toda a ação eucarística, significa que os fiéis, apesar de muitos, se tornam um só Corpo pela Comunhão do mesmo pão da vida que é Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo (1 Cor 10, 17)». No n. 321, a IGMR reafirma esta mistagogia: «o gesto da “fração do pão” – assim era designada a Eucaristia na época apostólica – manifesta de modo mais expressivo a força e o valor de sinal da unidade de todos em um só pão e de sinal da caridade, pelo facto de um só pão ser repartido entre os irmãos».