Muito embora não se possa nem se deva “baixar a guarda”, é de alguma serenidade a fase atual desta pandemia que nos tem ensombrado os dias no último ano. Com a diminuição de contágios de Covid-19 na comunidade e com a vacinação em curso (87% dos idosos em Lares já estão vacinados), no dia de Páscoa havia 18 surtos ativos em Lares (15 dos quais na zona de Lisboa e Vale do Tejo), com 121 utentes e 30 trabalhadores infetados.
Por Lino Maia
Em toda a Europa, os efeitos mortais da pandemia têm tido uma grande expressão nos utentes dos lares de idosos – pensando que neles se concentra, num espaço limitado, um conjunto numeroso de utentes e que as pessoas mais velhas são particularmente vulneráveis, em termos de letalidade, à infeção.
É certo que toda a morte é um dano irremediável; e bastaria um caso para nos lamentarmos de tal desfecho ter ocorrido em estabelecimentos pertencentes às Instituições Sociais e Solidárias.
Mas, no cotejo com o que se passou nos outros países mais próximos de nós, o balanço dos desenlaces fatais nos lares de idosos em Portugal é muito menos penoso do que o verificado nesses países. Entre nós, dos 16.899 óbitos provocados por Covid-19, 4.668 (27,6%), foram em Lares. É um dos registos em que somos claramente melhores do que os outros. A percentagem de óbitos em Lares no Reino Unido é de 33%, na Espanha de 44% e em França de 42%…
Devemos partir da experiência empírica, para a avaliação das políticas públicas, nos mais diversos sectores; e esta experiência em concerto permite-nos concluir que alguma coisa de diferente se passará em Portugal, diferentemente dos países nossos parceiros, no que respeita a essa bateria de equipamentos residenciais para pessoas idosas, onde os efeitos da pandemia não têm sido, entre nós, tão devastadores como os verificados noutras latitudes. Não só nos equipamentos para as pessoas idosas, valha a verdade – mas em todas as respostas sociais.
Costuma dizer-se – e é a pura expressão da verdade – que o sistema de proteção social vigente no nosso País, no que toca ao funcionamento de uma rede capilar de proximidade, fora do Estado e do mercado, que garanta o eficaz, humanizado e solidário funcionamento das respostas sociais e a proteção dos mais vulneráveis, constitui uma feliz e antiga singularidade lusitana no contexto europeu. Tal constatação é verdadeira – sendo ademais certo que esse modelo se encontra consagrado na Constituição da República e na Lei de Bases da Segurança Social.
Esse modelo de funcionamento tem o seu fundamento no papel do Estado, como garantia de acesso universal dos cidadãos, especialmente dos mais vulneráveis, ao sistema de proteção social, através da rede de serviços e respostas sociais; e no recurso às Instituições Sociais e Solidárias para o papel de prestadoras efetivas dos serviços que integram tal sistema, numa lógica de proximidade que lhes é matricial.
Por esse papel de garante do acesso universal dos direitos, cabe ao Estado, naturalmente, assegurar as condições de financiamento que permitam com tranquilidade esse acesso, através da cooperação com as Instituições de solidariedade, prestadoras, em nome do Estado, de tais bens e serviços, de natureza pública.
É essa articulação entre o Sector Público e o Sector Social que constitui a pedra angular do nosso específico modelo comunitário de proteção social: cabendo ao Estado assegurar a vinculação legal de manutenção e sustentabilidade das respostas sociais, através do seu financiamento ajustado; e às Instituições garantir o funcionamento da rede, sob condições de estabilidade e sustentabilidade.