Daniel Faria: poeta que esculpiu a poesia no orvalho matinal

No cinquentenário do nascimento. De linhas direitas, a arquitectura poética de Daniel Faria nasce da terra queimada, mas na sinfonia das suas palavras brota uma sementeira evangélica. É fecundante. Aponta para o horizonte.

Por Luís Filipe Santos

Este poeta, nascido a 10 de abril de 1971, colocava o coração na sua pena. Ler Daniel Faria é um autêntico manjar onde o sabor das suas palavras permanece, apesar da sua morte prematura.

Nos meses que antecedem o Verão, os jacarandás dão um cromatismo único à cidade de Lisboa. Na coreografia linguística do poeta de Baltar (Paredes), as magnólias são um autêntico quadro que tocam no crepúsculo de todos os dias do ano.

“A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra

E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua

mão”

Esculpida no granito, a poética de Daniel Faria é melodiosa. É orvalho permanente que mantém a magnólia fresca e luminosa durante o dia.

“Prometo-te a palma da minha mão para a escrita.

Cerca-a de magnólias, cerca-me.”

De gota em gota, a escrita do poeta torna a magnólia pensativa como o homem numa tarde de Outono ou numa manhã chuvosa de inverno.

“A magnólia enxerta-me nos pensamentos”

Retrato de Daniel Faria por Siza Vieira

Entrou no Seminário do Porto – esteve no Bom-Pastor (Ermesinde) – onde aprendeu a dialogar com a harmonia poética A precocidade poética de Daniel Faria é notória. Na Escola Secundária Rodrigues de Freitas surpreendia a professora de Português com a sua sensibilidade criativa neste campo. Prosseguiu nos Seminários de Vilar e da Sé.

O Fá do Violoncelo melodia com o Si da Harpa. As suas palavras entoam no coração do homem/mulher e adormecem suavemente…

“Apagando a luz do quarto cada noite

No escuro a respirar como um clarão”

«Explicação das Árvores e de outros animais» e «Homens que são lugares mal situados» foram as obras que solidificaram o peregrino do silêncio. No entanto, deixou quase pronto, um outro livro – «Dos Líquidos» – publicado após a sua morte. Daniel Faria criou enormes expectativas junto do círculo portuense que o conhecia ou com ele conviveu. A sua obra principal está reunida no volume «Poesia», publicado em dezembro de 2003. Posteriormente, saiu «O livro de Joaquim».

Apesar da sua timidez natural, Daniel Faria alcançou muito cedo a maioridade na poesia portuguesa. Tocar nos seus poemas é como amanhecer ao Sol do meio-dia…

“Sei que estou em viagem na palavra que se move”

Daniel Faria é um autêntico apóstolo da natureza que através da encenação metafísica das palavras apresenta os valores da vida e aponta a morte como projecto de futuro.

“O interior do repouso

E ser faúlha onde a morte vive

E a vida rompe”

No ambiente campestre, o poeta de Baltar relata episódios marcantes da sua infância. Desenvolve imagens coloridas com elementos bíblicos. Nesse agasalho bucólico, Daniel Faria mostra a epifania da semente vocacional.

“Neste lugar transitório mantém-me mendigo”

A luminosidade poética está bem patente em Daniel Faria. (“Se acender uma luz / Não morrerei sozinho”). Os poemas surgem, mas depois “temos de aprender a enxugá-los; a dar-lhes claridade. Trazer um poema à superfície é uma experiência única” – disse numa entrevista a um diário.

“Concerto a palavra com todos os sentidos em silêncio

Restauro-a

Dou-lhe um som para que ela fale por dentro

Ilumino-a”

Ser padre diocesano ou monge de Singeverga? Uma dúvida que Daniel Faria tentou responder na sua caminhada vocacional. Em 1994, depois de terminar o Curso de Teologia decidiu sair do Seminário Maior do Porto. Começa a frequentar a Faculdade de Letras daquela cidade… e reside na Paróquia do Marquês. Aos poucos, a opção pela «Regra de S. Bento» ganha solidez. Concluído o Curso de Letras no ano lectivo de 1997/98, aproveitou esse ano para o postulantado no Mosteiro de São Bento da Vitória. Em outubro de 1998 iniciou em Singeverga, o noviciado, interrompido tragicamente, na noite de 2 para 3 de junho do ano seguinte. Depois de alguns dias em estado de coma no Hospital de São João (Porto), veio a falecer a 9 de junho de 1999.

“Arruma as tuas alegrias

E faz as malas como se fosses emigrante”

Apesar do inesperado desaparecimento, Daniel Faria abriu janelas e mostrou as raízes do sonho.

“Não acredito que cada um tenha o seu lugar.

Acredito que cada um é um lugar para os outros”