
Impossibilitadas de participarem na Missa dominical, três famílias amigas decidiram encontrar-se semanalmente. Para quê? Sabiam, apenas, que o programa pastoral recomendava essas reuniões e tinham ouvido falar em “Igreja doméstica”.
Depois de alguma hesitação, resolveram ler uma passagem bíblica e trocar impressões. O filho de um dos casais referiu que gostava de ler os Evangelhos, porque “contam a história de Jesus”. E assim fizeram: começaram pelo primeiro, o de São Mateus. O jovem abriu a Bíblia, procurou o texto e começou a proclamar: “Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão. Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacob, Jacob…”.
Fechou o Livro e, com mau-humor, argumentou que não entendia nada disso. Que não tinha andado com essas pessoas na escola. Que não leria mais. Demoveu-o o argumento de que essa não seria a única página do Evangelho. Que, certamente, chegariam à tal história de Jesus, palavras ditas e milagres feitos. E prosseguiram.
Agora, o grupo diz que o desânimo do início foi providencial. Para quem ia à Missa aos Domingos, mas pouco mais sabia que isso era uma «obrigação», o contacto com a Palavra de Deus revelou uma imensa ferida: a ignorância, a falta de chaves de interpretação, uma fé inculta, uma espiritualidade quase inexistente, no fundo, um desconhecimento de Deus. E parece que um ou outro entrou em «crise de fé».
Já não dispensam essas reuniões. Dizem mesmo que a sua fé «começou» aí. As dúvidas e o desconhecimento motivaram a busca e a procura, o contacto e o querer relacionar-se com Jesus. Tal como o abalo da sua crença primitiva obrigou a preencher, com razões válidas e assumidas, o vazio deixado pela ausência do que antes eram rotinas nunca interiorizadas. Obrigou a uma relação «pessoal» com Deus. E a isto chamamos espiritualidade.
Com os Apóstolos, aconteceu algo semelhante. Não obstante os três anos de «matrícula» na «Escola do Mestre», chegaram à Páscoa e… não a entenderam. Nas aparições do Ressuscitado, num primeiro momento, quase nunca O reconhecem. Por vezes, até O confundiram com um fantasma. Precisaram de se reunir no Cenáculo para fazerem o mesmo destas famílias: procurarem a compreensão, sem a qual não há verdadeiro amor a Deus.
Para uns e outros, foram as dúvidas que concederam solidez à fé. Não admira. Como diz o poeta Vladimír Holan, “o que não estremece, não é firme”.
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