Na quarta feira da Paixão o Cabido Portucalense propôs uma reflexão sobre a Paixão através de três composições de expressão musical de três séculos diferentes: música sacra do séc. XX, música sacra do período barroco e música sacra coral e instrumental do séc. XVII.
A música do séc. XX afirmou-se com a apresentação de um Stabat Mater do compositor estónio Arvo Pärt (n. 1935), considerado um dos inspirados cultores de música sacra dos últimos tempos. A entrada do agrupamento, dirigido por Pedro Monteiro, fez-se cantando a solo estrofes significativas do “Stabat Mater” em canto gregoriano, que certamente inspiraram o autor, que procurou dar-lhe uma interpretação moderna, em que o diálogo dos instrumentos de corda (violino, viola, violoncelo) e do conjunto vocal (soprano, alto, tenor baixo) criaram uma expressão sonora do sentido dramático do texto, meditação dolorida e intimista sobre o sofrimento de Maria: “quem será o homem que não chora ao ver o sofrimento da Mãe de Cristo”, numa passagem deste hino, que motivou tantas interpretações a inspirados autores até aos nossos dias.
A música do período barroco concretizou-se através de uma obra do compositor francês François Couperin (1668-1733), com duas composições do “Office de ténèbres” (ofício de trevas), para conjunto de instrumentos da época (violoncelo, alaúde (na variante teorba, de braço longo), órgão) e vozes solistas recriando o dramatismo do texto litúrgico e a meditação do cristão a partir dos salmos na sua expressão do sentido da Paixão. A composição, ao estilo da tradição do barroco francês, possui uma vivacidade expressiva característica do gosto de então, onde a interpretação dialogal se associa ao dramatismo do texto.
A terceira parte recorreu a um autor português, Duarte Lobo (1565-1646), que estudou em Évora e foi mestre capela do Hospital Real em Lisboa. Na sua longa vida redigiu e dirigiu grande quantidade de composições litúrgicas para os diferentes momentos e festas do ano. A obra agora apresentada foi uma Missa de Requiem, na sua versão integral, terminando com o “donna eis requiem” do canto final da missa latina. Cada parte começava pela introdução temática em canto gregoriano, depois desenvolvida na harmonização vocal e no comentário instrumental, nesta transição entre as expressões polifónicas do renascimento e as reformulações do barroco inicial.
O conjunto (instrumentos, solistas, coro e órgão) foi organizado e dirigido por Pedro Monteiro, com um notável rigor expressivo e rico entrosamento do conjunto. A qualidade e a claridade das vozes, a precisão da orquestra e o equilíbrio do conjunto constituíram um acontecimento de invulgar qualidade, reconhecida por muitos que seguiram a transmissão via facebook, que atingiram mais de uma centena. Pena foi que a transmissão tivesse muitas intermitências. A tecnologia é útil mas temos que ter consciência das suas limitações. A iniciativa merecia a presença de uma catedral repleta e que os aplausos das dezenas de pessoas presentes se tivessem tornado uma longa expressão de entusiamo artístico e pascal.
CF