Pandemia: fase de descida

Por Lino Maia

Parece estarmos a iniciar a fase em que, lentamente, vamos retomando alguma normalidade. Com prudência, a vigiar a extensão do vírus. Confiando na responsabilidade cidadã na gestão da própria saúde. Sem discriminação pela saúde e respeitando a autonomia pessoal, que não é outra coisa senão a capacidade de cumprir com as próprias obrigações morais.

Tomando como referencial os Lares, o pico terá sido atingido cerca do dia 12 de fevereiro nesta segunda (ou terceira) vaga da pandemia. Entre os cerca de 3.500 Lares (do Sector Social Solidário, lucrativos e não legalizados), registavam-se, então,383 surtos (com 2 ou mais utentes infetados com Covid-19), estando cerca de 9.000 utentes e 3.780 trabalhadores doentes. A partir daí, acentuou-se na comunidade uma descida significativa de transmissibilidade, a vacinação avançou e os surtos foram sendo progressivamente solucionados. Ao findar o mês de março, há 63 surtos positivos em Lares, com 2.521 utentes e 767 trabalhadores positivos.

No contexto europeu, o nosso país foi dos menos atingidos pela letalidade comparada em Lares. Enquanto, por exemplo, no Reino Unido a percentagem de óbitos em Lares é de 33%, na Espanha é de 44% e em França de 42%, em Portugal é 28% a percentagem de óbitos em Lares.

Apendemos muito nestes tempos, muitas coisas boas, mas também coisas que podem melhorar. E o que tem de melhorar, por exemplo, é a articulação intersectorial para que a prestação de cuidados, centrada na Pessoa, seja integrada. Com consistência, coerência e continuidade.

Bem sabemos que, no âmbito da prestação dos cuidados, nomeadamente de saúde e sociais, as entidades públicas se organizam por áreas sectoriais. Estas são instrumentos organizativos e funcionais para definição de competências e responsabilidades, para afetação de recursos humanos e financeiros.

Estando no centro destes cuidados a Pessoa, depreende-se da indispensabilidade de articulação intersectorial para, por um lado, garantir a identidade da pessoa e o respeito pelas suas capacidades e a satisfação das suas necessidades complexas e por, outro lado, a gestão dos recursos com eficiência e eficácia. Até considerando cada setor per se, importará refletir se há de facto integração e continuidade de cuidados de saúde e integração e continuidade de cuidados sociais.

Vejamos:

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu em 2008 como integração de cuidados de saúde, as formas de interligação e cooperação na prestação e garantia de continuidade assistencial dos utentes do SNS, tendo em vista a maximização da eficiência nas respostas e os melhores resultados em saúde.

A Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 95/2019 de 4 de setembro) define que “o direito à proteção da saúde é o direito de todas as pessoas gozarem do melhor estado de saúde físico, mental e social, pressupondo a criação e o desenvolvimento de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam níveis suficientes e saudáveis de vida, de trabalho e de lazer”.

Todas as pessoas têm direito: à proteção da saúde com respeito pelos princípios da igualdade, não discriminação, confidencialidade e privacidade e a aceder aos cuidados de saúde adequados à sua situação, com prontidão e no tempo considerado clinicamente aceitável.

Define ainda a citada lei que “o direito à proteção da saúde constitui uma responsabilidade conjunta das pessoas, da sociedade e do Estado e compreende o acesso, ao longo da vida, à promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, a cuidados continuados e a cuidados paliativos”. Cabe ao Estado promover e garantir o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dos Serviços Regionais de Saúde e de outras instituições públicas, centrais, regionais e locais.

No mesmo enquadramento legal, o Serviço Nacional de Saúde deverá pautar a sua atuação, nomeadamente pelos princípios da equidade, promovendo a correção dos efeitos das desigualdades no acesso aos cuidados, dando particular atenção às necessidades dos grupos vulneráveis; da universalidade garantindo a prestação de cuidados de saúde a todas as pessoas sem discriminações, em condições de dignidade e de igualdade; e da integração de cuidados salvaguardando que o modelo de prestação garantido pelo SNS está organizado e funciona de forma articulada e em rede.

Pese embora o reconhecimento devido ao SNS, aguarda-se que, no cumprimento da Lei de Bases da Saúde, seja garantido o acesso aos cuidados de saúde, especificamente os primários, de todos os utentes residentes em estruturas residenciais de crianças, idosos e deficientes. Tem que ser assumido e garantido pelo SNS a estas pessoas a sua qualidade de beneficiários/utentes deste sistema.