Por Ernesto Campos
“Quem serão os ricos de informação e os pobres de informação?”
Conselho Pontifício para as comunicações sociais, 2000.
Não costumamos usar o estrangeirismo mass media, substituímo-lo por órgãos de comunicação social ou até órgãos de informação, para evitar o sentido despersonalizante da palavra massa que anula o destinatário da mensagem no anonimato de mero consumidor de informação. Importa, pois, distinguir: comunicação é diferente de informação, porque exige que a mensagem transite de uma consciência humana para outra consciência humana que assim se tornam comuns; um jornal dobrado na caixa do correio tal como a televisão que ninguém está a ver são repositório de informação, mas não comunicam nada até serem vistos ou ouvidos. Ambas as consciências fazem, na transmissão da mensagem, um esforço de codificação e descodificação do mesmo código. E esta é a primeira dificuldade a vencer para que a mensagem seja eficaz.
A consciência do destinador tem a intenção de influenciar e convencer o destinatário, e este, ao descodificar, aceita ou recusa ser influenciado atribuindo sentido e valor à mensagem recebida. Uma boa comunicação supõe a observância de algumas normas que, no que se refere à pandemia, nem sempre têm sido seguidas. Uma primeira norma é a credibilidade da fonte; e esta fica em causa quando é incompreensível poder-se vender jornais, mas não livros. Por outro lado, há a pluralidade das mesmas fontes, umas normativas, oficiais, outras opinativas: tudo quanto é matemático, epidemiologista ou comentador emite contradições em larga cópia. Outro aspeto a ter em conta é que na transmissão da mensagem algo se perde e modifica; a escala de valores de emissor e destinatário(s) serem diferentes, precavendo-se um quanto à saúde e outros preferindo uma festa com os amigos. Por outras palavras, importa o comunicador pôr-se na pele do outro, saber do que está a falar e usar adequadamente o código comum. Abrangendo tudo isto, a norma primordial e básica supõe o conhecimento teórico e a experiência reflexiva da comunicação humana para otimizar a competência do comunicador, o que não parece estar a merecer grande atenção.
E não se tendo em consideração as vicissitudes da comunicação humana, estamos, afinal, apenas a difundir informação como se os destinatários dela fossem elementos abúlicos, sem vontade própria.
Com efeito, o reverso da medalha das virtualidades da inteligência artificial é que o Homo Sapiens de há dezenas de milhares de anos está a ser sujeito a uma nova revolução cognitiva que o transforma num algoritmo bioquímico, mera fórmula de processamento de dados.
O Professor Yuval Noah Harari, da Universidade Hebraica de Jerusalém, chama a isto Dataísmo ou religião dos dados: “O Dataísmo afirma que o universo consiste em fluxos de dados e que o valor de qualquer fenómeno ou entidade é determinado pela sua contribuição para o processamento de dados. (…) e já conquistou uma grande parte do sistema científico.”
Nos antípodas desta onda algorítmica, em que a a saúde se reduz simples processamento de dados e a projeções estatísticas, o pensamento cristão define que a ética das comunicações sociais exige mais do que mensagem correta e eficaz: propõe o princípio moral fundamental de que a pessoa e a comunidade humana são o legítimo uso e o fim das comunicações sociais; e passa por questões estruturais e por políticas de “distribuição de tecnologia e produtos sofisticados”. Se não, continuamos ricos de informação e pobres de saúde.