Por M. Correia Fernandes
1.No último sábado, 13 de março de 2021, completaram-se oito anos sobre a data da eleição do Bispo e Cardeal argentino Mário Bergoglio como Papa da Igreja Católica, após a resignação de Bento XVI, o insigne teólogo de origem alemã Joseph Ratzinger (que continua vivo e com presença junto de S. Pedro em Roma).
Sendo cardeal da Igreja, Bergoglio era mais conhecido como Arcebispo de Buenos Aires. Nas suas palavras, veio de um universo distante e assumiu a missão de dirigir a Igreja Católica com a simplicidade inspiradora do nome que escolheu: Francisco. Entre os mais notáveis santos deste nome (Francisco de Assis, Francisco Xavier, Francisco de Sales) a referência maior que assumiu foi a do religioso italiano da cidade de Assis (1181-1226).
Não foi coisa casual nem apenas natural: foi um desígnio assumido de motivação e de ação. No exemplo da abertura do sentido humanizado da vida, no exemplo da simplicidade e no exemplo de uma visão da Igreja aberta a um mundo desumanizado marcado por um espírito de ambição materialista, surge um modelo de vivência humana no campo do serviço e da presença junto de todos.
Cedo se manifestaram as múltiplas dimensões da transformação assumida. Logo na primeira palavra que dirigiu à multidão: Boa noite. Coisas simples, realidades da vida.
Foi para estas realidades que se foi voltando, na sua presença, nas suas mensagens , nos seus escritos. A escolha dos locais de visita, de que é exemplo a presença logo no início junto aos refugiados em Lampedusa, até esta última presença no Iraque, berço de civilizações, império dominador do passado e terra mártir nos dias que correm, a presença de Francisco constituiu um anúncio do Evangelho a qualquer civilização.
Vierem depois os seus escritos, de que sobressaiu a dimensão ecológica, com a encíclica Laudato Sì, que se tornou um apelo aceite e louvado em todo o Mundo. Francisco sabe marcar presença nas coisas grandes e universais e nas coisas pequenas ou particulares, porque todo o valor humano é universal.
Mas esta simplicidade, que desemboca no sentido da última mensagem ”Fratelli Tutti” (todos irmãos), mais uma vez na esteira de Francisco de Assis, alicerça-se num conhecimento profundo da cultura e da literatura do mundo. Num artigo publicado no jornal “L’Avvenire”, o autor Mimmo Muolo, apresenta um número notável de autores citados nas mensagens por Francisco, tais como Dostoievski, Léon Bloy, Holderin, Manzoni, Péguy, os latino-americanos Octavio Paz, Jorge Luis Borges ou mesmo Vinícius de Moraes, ao lado dos mestres da espiritualidade como Santo Inácio ou Santo Agostinho. (Publicado por Pastoral da Cultura, trad. de Rui Jorge Martins, 12.3.21). Um Papa da simplicidade é também um homem da cultura e da arte.
Porém, a componente mais notável do ensinamento de Francisco é a capacidade de presença nos espaços da condição humana, na resposta aos conceitos e à imagens do nosso tempo, nas estruturas da sociedade moderna.
É espantoso como nos seus ensinamentos encontramos conceitos como a poluição e o clima, a biodiversidade, a qualidade de vida e a desagregação social, ou a questão da água, o paradigma tecnocrático ou o antropocentrismo moderno. Tudo isto ao lado dos grandes ideais, como o mistério do Universo, a harmonia da criação, uma comunhão universal ou o destino dos bens, ou da ecologia da pessoa, a ecologia cultural ou a criação de uma plenitude humana. É na pessoa de Jesus que encontra a espiritualidade ecológica, uma maneira humanista de olhar a realidade ambiental. E tudo culmina na proposta de um profundo diálogo inter-religioso de cristãos, judeus e muçulmanos, nesta espantosa viagem ao Iraque, acontecimento de alcance mundial. É aqui que proclama “os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade”. É aqui que assinala a importância do “amor político” como modelo de ação social (Fratelli Tutti”).
Do alto dos seus 84 anos, o Papa Francisco continua a ser uma luz para o mundo.
2.Outro dado importante destes dias foi a reabertura das igrejas à possibilidade de celebrações comunitárias, salvaguardando naturalmente o distanciamento, a proteção bucal e a higienização dos espaços e das pessoas. Sabemos que a suspensão das celebrações comunitárias foi decidida pela Conferência Episcopal, não por constituírem evidente perigo (não consta que se tenham registado casos de infeção tendo como motivo as celebrações nas igrejas) , mas por precaução e por exemplo ou modelo de cuidado e colaboração.
Retomar as celebrações, sobretudo neste contexto de aproximação das celebrações quaresmais e da Semana Santa, possui também um sentido: o valor da prece das comunidades pelo bem comum de toda a sociedade, e a busca do sentido do mistério que os acontecimentos encerram. Rezar e celebrar não é apenas uma atitude individual, mas uma proposta social e comunitária. No dizer do Papa Francisco: “Este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo, do qual brota a comunhão universal com a humanidade inteira, como vocação de todos”.
Celebrar é pois uma atitude solidária, um gesto de sabedoria, uma forma de “cultura do diálogo como caminho”. Esta é sugestão de Francisco.