
No oitavo aniversário da eleição de Francisco para a Cátedra de Pedro, ocorrida a 13 de março, pedimos um texto de análise ao padre José Maria Pacheco Gonçalves que viveu intensamente o conclave que elegeu o cardeal Bergoglio. Na altura trabalhava em Roma na Rádio Vaticano. Desta vez, a partir do Porto, faz uma reflexão sobre os oito anos do pontificado do Papa Francisco.
Por Pacheco Gonçalves
Custa a crer, mas já lá vão oito anos. Este pontificado superou já, em duração, o de Bento XVI, que surpreendeu o mundo ao anunciar, a 11 de fevereiro 2013, a renúncia à missão de sucessor de Pedro. Foi a primeira e grande surpresa, que abriu caminho à novidade que Francisco constituiu. Uma decisão cujo alcance o tempo se encarregou de confirmar. Desconcerto e incerteza dominaram, o longo mês que decorreu até 12 de março, início do Conclave. Para surpresa geral, bastaram 24 horas para eleger Jorge Bergoglio. Surpreendeu também a escolha do nome, já de si um programa de despojamento e simplicidade evangélica.
O estilo e atitude do Papa Francisco logo ficaram patentes quando, na varanda da basílica de São Pedro, se inclinou a pedir ao povo santo de Deus que o abençoasse, para bem exercer a sua missão. A Missa de encerramento do Conclave, na Capela Sistina, trouxe outra surpresa: em vez do solene pronunciamento, em latim, de oito anos antes, apenas um breve comentário dos textos proclamados: caminhar (como Abraão), edificar (a Igreja), confessar (Cristo). O mesmo aconteceu na celebração de início de pontificado, a 19 de março. A homilia foi uma mera reflexão sobre as leituras do dia e a missão de José, que cuida, protege, acompanha. O que constitui um apelo constante deste pontificado: guardar as pessoas, cuidar de todos e de cada um. Ainda assim, como os pontífices anteriores, também Francisco propôs, a poucos meses da sua eleição, um texto programático: “Evangelii gaudium” (novembro 2013). Uma fonte inspiradora para a renovação da Igreja e do mundo, entretanto prosseguida e desdobrada na “Laudato sì” (2015) e na “Frattelli Tutti” (2020).

Como elementos fundamentais do seu pensamento e ação, encontramos o Concílio Ecuménico Vaticano II e o desejo de avançar na sua aplicação e aprofundamento, juntamente com uma especial atenção à figura de Paulo VI, nomeadamente ao ensinamento e horizonte da “Populorum progressio” e da “Evangelii nuntiandi”. Família e misericórdia são aspetos sempre presentes. Recordem-se os dois Sínodos dedicados à Família (2014 e 2015) e o Jubileu da Misericórdia (2016). O grave fenómeno das migrações, com o drama dos que perdem a vida, nomeadamente no Mediterrâneo, é também uma das preocupações permanentes do Papa Francisco, como mostram a sua primeira viagem em Itália, à ilha de Lampedusa (julho 2013), para chorar os mortos que ninguém recorda, e a deslocação à ilha grega de Lesbos (2016), em visita ao imenso campo de prófugos que ali se acumulam, em precárias condições humanitárias. O empenho no diálogo inter-religioso, congregando as várias denominações religiosas nas causas da justiça e da paz, a favor de um mundo melhor, está bem patente em múltiplas iniciativas. No que diz respeito ao diálogo com o mundo muçulmano, de referir o encontro com o máximo expoente do Islão sunita (Cairo, 2017), que levou depois à assinatura comum de um Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi, 2019), amplamente citado na “Fratelli Tutti”.
Não faltaram ao Papa Francisco contrariedades e contestações ao longo destes oito anos, nomeadamente dentro da Igreja. Desde alguns cardeais que o acusaram publicamente de se afastar da autêntica doutrina católica, até às polémicas sobre o combate aos casos de pedofilia da parte de membros do clero. Especialmente espinhoso se revelou o caso do Chile, onde o Papa tomara inicialmente a defesa de elementos que se vieram a revelar culpados. Francisco teve a coragem de recorrer a um inquérito sério, reconhecendo depois a sua falta de clarividência e adotanto as medidas que se impunham.
Constante preocupação de Francisco tem sido contrastar o clericalismo e a “mundanidade espiritual”, desde logo na escolha de novos bispos. Memoráveis as indicações dadas aos Núncios Apostólicos (junho 2013) e à Congregação dos Bispos (fevereiro 2014), sobre os critérios a seguir: sejam pastores, pais e irmãos, misericordiosos, simples, acessíveis. Aos cardeais que vai criando, não tem faltado a advertência a não se considerarem promovidos a eminências de uma corte papal. Em oito anos, Francisco deixou já a sua marca no episcopado mundial, assim como no Colégio cardinalício. O que deveria assegurar alguma continuidade num futuro Conclave. Com 84 anos, problemas respiratórios e crises cada vez mais frequentes da dor ciática, um dia também para o Papa Francisco se porá a questão de ver até onde podem ir as suas forças. Para já, continua a revelar impressionante capacidade de resistência, visão global e grande criatividade, boas surpresas deste pontificado.