Da Lei de Newton à Lei Moral

Por Ernesto Campos

“A lei moral é meramente um facto, existe, é aceite, até, por aqueles que a não praticam”

Erwin Schrödinger, prémio Nobel de física, 1931

Quando um prémio Nobel de física nos fala de moral ficamos, pelo menos, surpreendidos. Schrödinger fala-nos disso, da “base física da consciência” e do mundo quântico no seu livro Vida, Espírito e Matéria (Europa América, 1963). A velha regra de ouro, “não faças aos outros o que não queres que te façam”, é reduzida a uma fórmula radical –  “não sejas egoísta!” – na tese do autor, que, mais do que prémio Nobel da física, parece realizar o sonho de Leibnitz – homem de completa ciência – pois que tanto se move à vontade na física e na química, como passa da matemática à psicologia, à história e à filosofia.

Um discurso que ressuma otimismo: “…estamos no início de uma transformação biológica, traduzida pela passagem do egoísmo para o altruísmo, como a indicação de que o Homem está a tornar-se num animal social. Para um animal solitário, o egoísmo é uma virtude que tende a preservar e a melhorar a espécie; mas em qualquer tipo de comunidade transforma-se num vício destruidor.” Tomando o exemplo que dá da guerra: “Enquanto, num passado muito remoto, a guerra entre pequenas tribos ou clãs parece ter tido um valor positivo de seleção, é duvidoso que o tenha tido alguma vez em tempos históricos, e hoje não há dúvida de que a guerra não tem nenhum valor. É uma carnificina indiscriminada.” Simplificando a tese de Schrödinger, poderia inferir-se que as transformações vividas são aprendidas e “arquivadas” no fundo endotímico. O que, num tempo imemorial, seria bom, como fator seletivo de desenvolvimento, tornou-se perverso pelos males que provoca, testemunhados pela exoeriência. Esta distinção entre o mal e o bem é o que chamamos consciência moral, uma visviva, uma força não física.

A este propósito, o autor cita Kant e o seu conceito de “idealidade do tempo e do espaço” e louva-se em Platão e Sto. Agostinho quanto há ideia de uma existência intemporal. Na sequência deste pensamento, o nosso autor toma a vida como um valor; “A vida tem valor por si própria. ‘Sejamos reverentes em relação à vida”. Foi assim que Albert Shweitzer  traçou o imperativo fundamental da ética, ao propor-se extinguer a lepra à face da Terra.

À revelia do sentido e do valor da vida, a Assembleia da República aprovou a lei da eutanásia, agora submetida ao Tribunal Constitucional. Não se trata, propriamente, de inconstitucionalidade, mas da exigência de uma lógica substantiva que não se compadece com a subjetividade abusiva de adjetivos como “intolerável” e “extrema”, com que os legisladores se contentaram.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, refere que a lei  “recorre a conceitos excessivamente indeterminados na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida”, Na lei apresentada, diz: “sofrimento intolerável não se encontra minimamente definido” nem se afigura que ele “resulte inequívoco das leges artis médicas”, antes, “parece indicar uma forte dimensão de subjetividade (…): resulta pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento, se da perspetiva exclusiva do doente se da avaliação que faz o médico.” E sobre a expressão “lesão de gravidade extrema” alega que, na lei. “Nada está referido quanto à sua natureza fatal” e emtão “não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte.”

Schrödinger fala de um “princípio de objetivação”. Sabe o que diz e fala do que sabe. E os deputados sabem?