Um teólogo (des)embrulhado na (p)an(d)emia (10)

Foto: João Lopes Cardoso

Por Alexandre Freire Duarte

Com esta chuva quase incessante, o estar em casa com um filhote de dois anos e meio, sem creche e com a energia de uma central nuclear, tem sido arriscado. Além de uma costela lascada, estou cheio das “nódoas negras” resultantes de correr, tropeçar, esbarrar, pinchar e cair com ele. O meu corpo já se parece com um exercício de palavras cruzadas – alguns quadrados brancos sob casas negras.

Não sei se este novo e doentio confinamento não estará a fazer com que a Igreja também esteja a ficar com mais “nódoas negras”. Hematomas resultantes do seu amor por toda a humanidade, sim, decerto, mas similarmente do desamor que cada vez mais gente nutre por ela (cf. Is. 53,3). E isto, até quiçá, por ela lhes recordar que não se pode trocar o que está direito pelo Direito, fazendo, seja das leis o único critério da moral, seja do legal a essência do que é justo. Que teríamos se assim vivêssemos? Conrad Aiken di-lo no seu poema “A casa de poeira”: uma vida de «lamúrias, morte, injustiça, / Doença, humilhação, derrota lenta».

A ser real tal aumento de “nódoas negras” na Igreja, isso deveria alertar-nos para a importância de, não só amarmos a Igreja como mãe (e mãe da única «verdadeira unidade fraterna», no dizer de Clemente de Alexandria), mas, também e justamente por essa razão, atendermos à mesma com enorme desvelo e um maior carinho. Eis algo de capital, sobretudo neste tempo em que, aparentemente, ela está incapaz de ser e fazer tanto do que lhe é inerente e relevante, naquilo que levou a que muitos passassem a afiançar, de modo tão enganado quão triste, que à medida que o vírus passou a viajar pelo Mundo, a Igreja retirou-se dele.

Não nos esqueçamos, então, que não somos apenas nós a poder contar com o amor e o cuidado da Igreja: ela similarmente conta com o nosso cuidado e o nosso amor. Eis um “círculo-virtuoso” que é vital para todos os baptizados, sobretudo porque a Igreja não é uma barreira entre estes e Cristo. Ela, sendo também formada por todos os baptizados, é mística e realmente este mesmo Cristo (cf. At. 9,4).

Todavia, também não podemos ignorar que cuidar da Igreja é igualmente darmo-nos, pelo amor pródigo, a todos aqueles que mais padecem, oferecendo-lhes ambientes de calma, ânimo e esperança que lhes permitam, quando possível, largar os seus diversos “catres” (cf. Jo. 5,8). Se isto não fizermos, poderá parecer que estamos a carregar no “botão de pausa” de uma vida eclesial que existe também para revelar que o amor (re-)criador de Deus, expresso maximamente no mais gratuito perdão auto-sacrificial, nunca pausa (cf. Jo. 5,17).

Amar alguém é “profetizar” sobre ele. É vê-lo em profundidade e na sua possível perfeição futura. Assim, amar a Igreja, também é acolhermos (não apenas em obediência, mas em amor à obediência) a missão que o Senhor lhe confiou como sua meta. A saber: a de ser, pela acção em nós do Espírito Santo de Jesus, aquele sacramento que logra a reunião do que de mais íntimo e pessoal há em Deus ao que de mais pessoal e íntimo existe em cada ser humano. A Igreja é, deveras, uma comunhão que irradia a Cristo no Espírito que a fecunda; é a presença transformante de Jesus no passar da história, e, portanto e porque ela será grandemente o que nós formos, não devemos parar de o atestar numa acção que O re(a)presente e comunique.

Tenho ouvido, também no meu coração, a angústia de muitos que não têm podido comungar. Mas ouvi menos, muito menos, a angústia de, em muitos aspectos, não se ter podido cuidar mais e melhor da Igreja, também para que ela cuide de todos, nomeadamente mediante o ser mãos e lágrimas, quer de uma Pessoa de Jesus, que é totalmente Luz (cf. Jo. 8,12), quer do Seu amor, que é simplesmente liberdade (cf. 2Cor. 3,17) a alimentar uma nossa liberdade que, no dizer do poema “O voo” de Adoph Jacob, «do me olvidar / alegremente de mim / está ao serviço».